Dias iguais. Eu e os dias iguais. As horas passam, os meses passam, os minutos, os transeuntes, os carros. Mas eu não passo. A vida do meu colega mudou, ele trocou de carro, marcou casamento, recebeu uma promoção na empresa, cortou o cabelo, adotou um estilo underground, pintou a porta da casa de verde-guerra. Eu me mudei, pendurei alguns quadros na parede, renovei os porta-retratos, joguei as revistas velhas no lixo, contratei uma secretária, mudei do quinto andar para o oitavo, fiz as pazes com uma ex-amiga-que-virou-inimiga-e-voltou-a-ser-amiga, estou pensando em adotar um gatinho. E porque eu sinto que nada mudou? Olho pra cara da vizinha da frente e fico imaginando a vida dela. É casada, tem dois filhos, trabalha feito uma louca, vai ao supermercado, leva as crianças para a escola, a menina para o jazz, o menino para as aulas de judô, viaja em função de congressos, dá atenção para o marido e tem um cabelo lindo, lindo, mas tão lindo que dói os olhos. Além de tudo ela malha, tem um corpo super em dia. Fico pensando como ela consegue ser tantas em uma, se virar tanto assim. Minha vida não é essa loucura toda e eu estou exausta. Por quê? Não tenho metade dos problemas dela. Não tenho metade dos afazeres dela. E não tenho metade do sorriso dela. Com os dias cheios ela está sempre rindo, sempre com uma cara de descansada, uma pele boa, não tem olheiras, nem nada. Por quê? Minha colega de aeroboxe tem uma filhinha de um ano, é pediatra, faz plantão, tem ex-marido e namorado, não tem faxineira, faz tudo sozinha. Sempre com um ar saudável e despreocupado. Isso tudo me faz pensar: complico demais? Invento demais? Penso demais? Quero demais? Sonho demais? Me estresso demais? Talvez. Pode ser. Até é. Será mesmo? A vida do outro sempre parece ser mais interessante que a nossa, mais agitada, mais deliciosa. O sorriso do outro, muitas vezes, parece ser mais sincero que o nosso. A mesa do outro parece mais animada que a nossa. A sala de jantar do outro parece mais cheia que a nossa. O outro parece ser melhor. Por quê? Aposto que o outro pensa o mesmo da minha vida, da sua. Aposto que o outro se faz as mesmas perguntas. Cada um encara a vida de uma maneira. Se fosse diferente o mundo seria diferente. Frase aparentemente ridícula e sem sentido. Lê de novo e reflete a respeito. À propósito, complico demais, invento demais, penso demais, quero demais, sonho demais e me estresso demais. E já aviso: não sei ser diferente. Se eu fosse diferente encararia o mundo de uma forma diferente.
Sobre o blog
Clarissa Corrêa
Clarissa Corrêa é escritora e redatora publicitária.
É autora dos livros Um pouco do resto, O amor é poá, Para todos os amores errados e Um pouco além do resto.
Já foi colunista do site da Revista Tpm, do Vila Mulher e do Donna.
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