Não tenho salvação, tenho certeza plena que vou para o inferno. Mas certeza mesmo! “Somos todos irmãos”. Hein? Não quero ser irmã daquela vaca que não vou com a lata ou daquele cara que eu acho o que há de lindo no planeta. “Temos que dividir”. Como? Não vou dividir meu último ouro branco, é meu e pronto. Uma mordida de outra pessoa num bombom pequeno, gente, termina com o gosto bom do bombom. Não dou, é meu!
E a teoria do desapego? Ah, desapego é chique. Bem, se é assim, sou uma brega. Cafona total e completa. Guardo tudo: ingresso de show e de cinema, cartinha, bilhete, pote vazio, blusinha furada (é ótimo dormir com roupa velha-quando estamos sozinhas, evidentemente!), meia bem usada, livros e cadernos da época da escola, agendas antigas (cheias de compromissos e anotações que, quando leio novamente, a barriga dói de tanto rir!), fotos de pessoas importantes, pijamas antigos, pantufas furadas (tenho tara por coisas furadas!) e por aí vai.
O que mais guardo são as emoções perigosas e que te arrebentam a garganta. Deixo nas caixas os sorrisos, abraços, olhares, beijos, carinhos, confrontos, decepções, desilusões, amores, desamores, encontros, desencontros. Tudo isso faz parte das nossas lembranças e memórias, passado, vida, currículo, histórico. De vez em quando as caixas são abertas, nem que seja para tirar o pó e as teias de aranha e eu me pego sorrindo e fazendo cara de besta. Ou então limpando com as costas da mão aquela lagriminha teimosa que está caminhando pelo meu rosto quente.
Temos que dar sem pensar em receber. Desculpa, não sei ser assim. Eu dou pensando em receber. Quem é que dá por dar? Tarados, falo de sentimento. Uma hora o cansaço nos invade e nos consome e nos enche o saco. Eu quero dar amor e receber amor. Dar carinho e receber carinho. Dar um beijo e receber uma flor-pode ser aquela arrancada do jardim da vizinha (eu sei, sou piegas, cretina, antiga, clichê, me deixa!).
Não conheço alguém que ame por amar. Que ame sem querer o amor em troca. Eu amo sem querer o meu amor de volta, mas querendo o amor reconhecido, recompensado. Não devolve o meu amor, apenas me dá amor de volta. Eu vou, você vai. Eu dou, você me dá. Eu não me dou de graça. Me dou pensando que vou receber o mesmo. Se não é assim pra mim não serve, então não quero. Eu sei, sou radical. E talvez (maybe, baby) eu vá para o inferno.
Sobre o blog
Clarissa Corrêa
Clarissa Corrêa é escritora e redatora publicitária.
É autora dos livros Um pouco do resto, O amor é poá, Para todos os amores errados e Um pouco além do resto.
Já foi colunista do site da Revista Tpm, do Vila Mulher e do Donna.
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