A minha mãe gritou da cozinha:
- Filha quer que eu te faça um bife?
Eu quis. E acrescentei:
- Com ovo!!!
Dez minutos depois ela me chamou, sentei, comi, fiquei com as bochechas rosadas e lembrei de quando eu tinha oito anos. Eu chegava da escola, lavava as mãos e perguntava se o almoço era bife com ovo. Não precisava de mais nada, só o bife e o ovo. Podia ser em cima, do lado, em qualquer lugar. Às vezes era, às vezes não era, muita carne vermelha faz mal, muito ovo faz mal. "Muita coisa faz mal", eu pensava. Só depois de saber o cardápio que eu ia largar a mochila no quarto. Minha mochila era maior do que eu e era da Moranguinho. Aí eu almoçava e ia para a minha escrivaninha porque tinha que fazer os deveres da escola, mas, ao invés disso, ficava desenhando bonecos de pauzinhos. Eu também vivia escrevendo o meu nome. Clarissa. Clarissa. Clarissa.
Eu odiava o meu nome. Coisa de criança. Eu odiava o meu dedão da mão direita. E as minhas sardas. E a minha pinta no pescoço. Depois de fazer bonecos de pauzinhos com cor, sem cor, com família, sem família, na chuva, no banco, no sol e de todas as formas possíveis e depois de escrever o meu nome com letra junta e separada eu fazia o dever. Odiava matemática. Gostava de português, artes, ciências. Também não gostava de educação física, queria crescer logo para poder dizer "hoje não vou fazer a aula, estou com cólica menstrual".
Queria crescer. Queria ser moça. Queria muitas coisas: primeiro quis ser bailarina, depois médica, depois psicóloga, até atriz eu já quis ser. Quando eu tinha que resolver coisas difíceis como, por exemplo, quanto dá dois mais quatro mais sete menos cinco eu pensava "um dia vou crescer e não vou precisar disso", "quando eu for grande vou calcular de cabeça". Hoje eu conto nos dedos. Eu tinha problemas ENORMES, um colega vivia puxando o meu cabelo, uma menina chatinha e com bafo implicava comigo, meu estojo sempre caía no chão e fazia muito barulho. Meus dias eram atarefados: ballet, natação, tênis e inglês, além da escola, lógico. Eu era ocupadíssima.
Quando eu era criança eu queria ser cada hora uma coisa, a cada dia alguém diferente, mas queria ser adulta. Queria fazer a diferença. Agora eu vejo como é difícil ser muitas em uma. Queria ter um eu pelo menos um dia. Só um dia. E um prato grande de bife com ovo para me fazer lembrar de tudo que eu sou.
- Filha quer que eu te faça um bife?
Eu quis. E acrescentei:
- Com ovo!!!
Dez minutos depois ela me chamou, sentei, comi, fiquei com as bochechas rosadas e lembrei de quando eu tinha oito anos. Eu chegava da escola, lavava as mãos e perguntava se o almoço era bife com ovo. Não precisava de mais nada, só o bife e o ovo. Podia ser em cima, do lado, em qualquer lugar. Às vezes era, às vezes não era, muita carne vermelha faz mal, muito ovo faz mal. "Muita coisa faz mal", eu pensava. Só depois de saber o cardápio que eu ia largar a mochila no quarto. Minha mochila era maior do que eu e era da Moranguinho. Aí eu almoçava e ia para a minha escrivaninha porque tinha que fazer os deveres da escola, mas, ao invés disso, ficava desenhando bonecos de pauzinhos. Eu também vivia escrevendo o meu nome. Clarissa. Clarissa. Clarissa.
Eu odiava o meu nome. Coisa de criança. Eu odiava o meu dedão da mão direita. E as minhas sardas. E a minha pinta no pescoço. Depois de fazer bonecos de pauzinhos com cor, sem cor, com família, sem família, na chuva, no banco, no sol e de todas as formas possíveis e depois de escrever o meu nome com letra junta e separada eu fazia o dever. Odiava matemática. Gostava de português, artes, ciências. Também não gostava de educação física, queria crescer logo para poder dizer "hoje não vou fazer a aula, estou com cólica menstrual".
Queria crescer. Queria ser moça. Queria muitas coisas: primeiro quis ser bailarina, depois médica, depois psicóloga, até atriz eu já quis ser. Quando eu tinha que resolver coisas difíceis como, por exemplo, quanto dá dois mais quatro mais sete menos cinco eu pensava "um dia vou crescer e não vou precisar disso", "quando eu for grande vou calcular de cabeça". Hoje eu conto nos dedos. Eu tinha problemas ENORMES, um colega vivia puxando o meu cabelo, uma menina chatinha e com bafo implicava comigo, meu estojo sempre caía no chão e fazia muito barulho. Meus dias eram atarefados: ballet, natação, tênis e inglês, além da escola, lógico. Eu era ocupadíssima.
Quando eu era criança eu queria ser cada hora uma coisa, a cada dia alguém diferente, mas queria ser adulta. Queria fazer a diferença. Agora eu vejo como é difícil ser muitas em uma. Queria ter um eu pelo menos um dia. Só um dia. E um prato grande de bife com ovo para me fazer lembrar de tudo que eu sou.