Então eu fechei bem os olhos, senti aquela dorzinha tomando conta e crescendo e crescendo e apertei os olhos até a minha testa ficar franzida. Como num click, percebi: quero ficar assim para sempre. Olhos fechados e apertados. Dorzinha que cresce e se instala e toma conta e dá um formigamento no corpo inteiro. E estava frio, meu travesseiro gelado, a meia caindo do pé esquerdo e aquilo tudo me consumindo e não parando e a minha cabeça doendo por tudo aquilo que o meu coração não conseguia dizer. Eu queria até gritar, mas sabia que tinha perdido a voz. É interessante: quando a gente perde alguma coisa dá vontade de voltar atrás e fazer de novo e calar a boca e mandar a maldita da dorzinha embora. Tentei e ela não foi e fechei os olhos e pensei que quero morrer assim, ficar assim para todo o sempre. Aí os dias continuaram iguais, meu telefone continou a tocar, os carros ali fora passando e aquelas buzinas chatas, cachorros latindo e vagando na rua, minha unha descascando, êtalelê, é hora de tocar a vida. A minha amiga dizia ei, filha, a vida continua. Claro que sim, isso todo mundo sabe, me conta uma novidade. Só que quando a dorzinha tá lá te cutucando, sei lá, sabe, você pensa que é uma infeliz e uma coitada e meu deus, que pena de mim e até quem mora embaixo da ponte deve ser mais feliz. Quando os olhos se apertam e o coração dá nó cego o mundo parece que fica estagnado, parece que falta alguma coisa, uma fagulha, uma faísca, uma luz, relâmpago, tic-tac, algo que faça você acordar, abrir os olhos e querer sair debaixo do cobertor, trocar a fronha do travesseiro que já está suja de rímel e molhada de lágrimas salgadas e pensar uhu, a vida tá batendo na minha porta, vou tomar um banho, colocar umas botas até o joelho, uma saia bonita, um casaco com pêlos quentinho e é isso aê mundão, espera que tô saindo da toca.
Mas isso tudo demora. É um processo que envolve muita coisa, envolve vida, envolve mágoa, envolve passado, envolve coração, sentimento, ressentimento e o que mais se deixar envolver. Envolve você. O legal de tudo é descobrir que você, um dia, consegue ver tudo com clareza. O pior de tudo é que você se sente uma idiota depois que passa. Mas o melhor-melhor mesmo-é saber que todo mundo se sente assim, pelo menos um dia. Consolo? Pode ser. A única pessoa no mundo que você não pode esquecer é de você mesmo. Mesmo que seus olhos queiram ficar fechados. Mesmo que a dorzinha te acompanhe noite e dia e dia e noite. Ela passa. É só deixar o click entrar. É só acender a luz do seu coração. Éééé.