"...Sabe que o meu gostar por você chegou a ser amor? Pois se eu me comovia falando com você. Pois se eu acordava no meio da noite só pra pensar em você dormindo... meu Deus, como você me dói de vez em quando... eu vou ficar esperando você numa tarde cinzenta de inverno, bem no meio duma praça... então os meus braços não vão ser suficientes para abraçar você e a minha voz vai querer dizer tanta, mas tanta coisa que eu vou ficar calado um tempo enorme só olhando você sem dizer nada... só olhando e pensando: meu Deus, mas como você me dói de vez em quando."
(CAIO FERNANDO ABREU)
Com um beijo você podia tirar as palavras que guardei em minha boca. Aquelas que eu nunca te disse. Acho que é tarde demais para a nossa história dar certo. Logo eu que nunca acho que é tarde, que nunca acho que é o fim. De vez em quando eu junto os pedaços de você, pego a nossa parte que aconteceu e tudo que eu inventei e guardei na memória. Faço um quebra-cabeças. Encaixo parte aqui, parte ali. E você nunca se desencaixa do meu peito. Fico longos minutos a esperar um telefonema. No outro lado a sua voz dizendo que não consegue dormir de tanta falta que eu faço em sua vida. Abro a caixa de correspondência, procuro um envelope com o seu nome no remetente. Lembro que hoje em dia as pessoas preferem e-mails. Checo a caixa de entrada, procuro seu nome em times new roman. Então eu fecho os olhos e abraço os meus sonhos irreais. Vejo você chegando num final de tarde. Você e a barba por fazer. Sua camisa branca molhada. Nas mãos aquela rosa pela metade, com pétalas que a chuva forte destruiu e atirou pela rua escorregadia. O cadarço do seu sapato marrom desamarrado, seu cabelo desgrenhado e ensopado. E você. Você com aquele olhar que sempre me fazia morrer. Morrer de amor. E você. Você com todo o nosso passado e futuro no bolso da calça jeans velha. Com um beijo você podia fazer tudo que eu guardei aqui dentro virar poesia. E nós poderíamos voltar a viver. Viver de amor.