Durante alguns dias procurei uma desculpa para a minha irritação. Achei que fosse stress, pensei que fosse tpm, deduzi que era meu inferno astral subindo a rua. Uns dizem que ele não existe, outros afirmam que ele acontece sim, um mês antes do aniversário da criatura algo ocorre e ela sai de giro, bum, inferno astral te faz companhia até você assoprar as velinhas e fazer pedidos de olhos fechados. Depois, bum, um mês de paraíso astral. Veja bem, dois meses, um em que tudo dá errado e outro em que tudo dá certo. Não entendo muito disso, sou uma curiosa, sempre fui e sempre serei. Meto o bedelho em qualquer coisa, opino e palpito do meu jeito. Um jeito que é atrapalhado, um jeito que de vez em quando é errado. Mas é meu. Com licença, é meu. E sou possessiva. Com tudo, inclusive com meu jeitinho. Inferno astral. Anteontem abri o jornal e ali estava "abra o seu coração, resgate o que lhe incomoda no passado". Proposta tentadora. É hoje, é hoje que eu vou esquecer de tudo, lembrar do que nem sei e fazer as pazes comigo mesma. Mas o dia foi corrido, quando dei por mim já era ontem. E ontem meu horóscopo estava bem ruim. Engavetei os meus planos. E quando dei por mim era hoje. Não abri o jornal. Lembrei que horóscopo me deixa sugestionada. Inferno astral. Dane-se. Pensei em tudo que eu queria lhe dizer. Não importa, não, não importa. Já falei algumas vezes. Agora é diferente. Estamos mais maduros e menos feridos e reconhecemos nossos erros. Não sei se algum sentimento ainda pode se ajeitar e descansar entre as almofadas do sofá. Talvez. Mas você sabe que eu nunca abandono nada antes de tentar. Você sabe que não viro as costas sem arriscar. Então eu resolvi lhe dizer que todos os dias eu ainda penso em você. Lembro direitinho da maneira como você baixa os olhos quando está constrangido. E aquele sorrisinho que você dá?, por deus que sorrisinho é aquele? É a visão mais graciosa do mundo, parece um menininho cheio de felicidade. E a vozinha que você faz quando fica doente? E o seu nariz vermelho por causa da alergia? Eu ainda lembro da maneira que você adorava roçar a barba no meu braço, só pra ver ele ficando vermelho e então você ria e sorria e dizia "olha que vermelhinha você ficou!". E eu dizia "faz aqui" e você fazia na minha bochecha e eu ficava toda vermelha e a gente ria um riso tão livre e tão bom que a saudade agora tá aqui batendo na minha cara. Eu apanho da saudade todos os dias, mas isso você não sonha. Não sonhava, pois agora eu estou te dizendo verdades. Procuro lá atrás mais do que memórias. Mais do que lembranças. Procuro uma parte minha, não aquela parte imatura e louca e que pisou na bola e que não foi corajosa o suficiente para encarar um sentimento que era real! Procuro aquela outra parte, a linda e louca e apaixonada e esperançosa e feliz e cheia de coisas lindas pra oferecer e carente. Aquela minha parte carente que você tanto amava e que eu queria fingir que não existia. E hoje eu mudei. Você sabia que eu mudei? Não sei se acredito em inferno astral, talvez esse seja um truque, mais um. Um truque pra disfarçar. Disfarçar os meus dias sem você. Acabei de rabiscar num pedaço de papel uma poesia. É pra você. E eu vou te mandar agora. Se você gostar e me procurar eu vou estar aqui, moro no mesmo lugar. Mas eu tô no inferno astral e isso talvez sirva de desculpa, caso você não queira e faça tudo que é belo virar poeira. O bom é que logo logo o paraíso astral chega e bum, o vento leva a poeira. Você sabe, eu continuo vendo o lado bom de tudo. E continuo sem saber se acredito em horóscopo. E jogando nas costas do inferno astral meu mau-humor. E justificando meus rompantes de faceirice com o paraíso astral. Mesmo não acreditando. Mesmo passando a acreditar. Mesmo nem sabendo direito quem eu sou. Tenho mesmo que saber quem sou eu? Sei quem é você. E sei que você me tem. Sabe a poesia? Na verdade eu preferia ler para você. Preferia que você deitasse a cabeça no meu colo. Eu ia ler. Passar a mão no seu cabelo. Brincar com a sua orelha. E desenterrar palavras que foram soterradas pelo tempo. E, quem sabe, descobrir frases incompletas no seu coração.
Sobre o blog
Clarissa Corrêa
Clarissa Corrêa é escritora e redatora publicitária.
É autora dos livros Um pouco do resto, O amor é poá, Para todos os amores errados e Um pouco além do resto.
Já foi colunista do site da Revista Tpm, do Vila Mulher e do Donna.
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