Te ajeita na cadeira, acha uma posição confortável e, se quiser, pega um café para beber enquanto eu te conto uma historinha, mas não é pra você dormir, ok? Era uma vez uma linda menina que tinha um armário cheio de sonhos. Na realidade era um armário e algumas gavetas, mas isso não importa. Um belo dia ela resolveu abri-lo e jogar a chave no mar, as ondas que a levassem para bem longe. Chega de deixar os sonhos guardados, ela pensou. Essa menina ouvia muitas histórias. Tinha a Rapunzel (e suas longas tranças), a Bela Adormecida (que acordava com um romântico beijo) e a Cinderela. Pobre Cinderela, como sofreu. A menina simpatizava demais com essa historinha e resolveu ser solidária com a pobre moça. Ela tinha uma afeição pela personagem que passou por maus bocados, foi humilhada, destratada, usava roupas velhas, era feita de empregada e, numa noite, se produziu, ficou linda, perdeu o sapatinho e, você conhece o enredo, não é mesmo? A garotinha cresceu com um desejo: encontrar um príncipe encantado. Ela queria ser como a Cinderela e, no seu mundo de desejos, o príncipe surgiria num cavalo branco, a levaria com ele para um lugar cheio de flores e eles seriam felizes para sempre, pois ele a protegeria de todo e qualquer mal. Alguns anos se passaram e a menina se transformou numa mulher. Uma bela mulher que um dia conheceu um candidato a príncipe. Ele era lindo, doce e arrebatou seu coração. Passado um tempo ele arrebentou seu coração, pegou uma arma e ratátátátá. Ela sofreu, se reergueu e soldou seu coração. Decidiu nunca mais se apaixonar, nem se envolver. Conheceu outros rapazes, mas nunca se deixou envolver, estava machucada demais. Passou um tempo e ela conheceu o segundo candidato, uma pessoa que ela acreditava ser muito especial, não era tão bonito, ela se sentiu a bela com a fera, mas esse relacionamento a fez perceber que o que vale mesmo é o que está dentro das pessoas. A quase-Cinderela resolveu deixar as mágoas bem enterradas no passado e se entregar de alma e peito aberto, deu seu coração de presente e ele foi colocado no meio de um quarto todo bagunçado. Tempos depois foi devolvido, usado, furado e rasgado. Ela ficou perdida, desestruturada, mas teve uma força (que não sabe da onde surgiu), pegou agulha e linha e costurou seu coraçãozinho com a promessa de nunca mais amar ninguém. A partir daí a ex-menina-atual-mulher se deu conta de que ela nunca foi a Cinderela. Ela nunca foi boazinha, pelo contrário. Nunca ouviu calada, não levava desaforo para casa, tinha um gênio difícil, uma personalidade forte, batia nos colegas que maltratavam os mais frágeis e não era exatamente a calma em pessoa. Nunca teve vocação para lady, pois uma lady não altera a voz, não perde a linha, não grita, não xinga, não fala palavrão, mantém a compostura. Ela não. Ela era diferente. Ela batia o pé. Rodava a baiana. Tinha opinião. Defendia o que pensava. Lutava pelos seus ideais, de anjo não tinha nada, talvez apenas as feições. Junto com isso, seus sonhos infanto-juvenis foram enterrados, ela percebeu que príncipe não existia. Homem perfeito e ideal só em livros, em Hollywood e em novelas. Ela, então, resolveu abrir os olhos e ver as coisas como realmente são. Não há perfeição, há a realidade. Não há magia, há a verdade. A verdade é que ela é uma Cinderela paraguaia. Não por ser falsificada, mas por vir sem nota fiscal. Não tem como devolvê-la assim, sem mais, nem menos. Ela é o que é e nada mais. Mata aula. Bebe champagne. Quando está feliz ri bem alto. Quando está triste chora bem escondido. Fala o que pensa. Nem sempre pensa no que fala. Não sabe fazer média, criar tipos ou usar máscaras. Ela erra, não faz o bem o tempo inteiro. Ela não busca a perfeição, pois isso é algo inexistente, só em contos de fadas histórias perfeitinhas acontecem. A verdade é que ela se fechou, realmente decidiu que amar e se entregar era perda de tempo e ganho de lágrimas e marcas e feridas e cicatrizes. Mas ela encontrou você. Você, que não é príncipe. Você, que não tem cavalo branco. Você, que é humano. Você, que também erra. Você, que é homem, mas chora. Você, que nem sempre é valente e corajoso. Você, que também tem defeitos. Você, que ela ama assim, exatamente do jeito que você é: imperfeito. A verdade é que ela ainda acredita que os mocinhos sempre vencem no final. A grande verdade é que ela ainda acredita em finais felizes. A maior verdade é que ela quer viver feliz pra sempre. Com você, mais ninguém, mas não esqueça: ela não ficará bem na sua estante. Jamais.
Sobre o blog
Clarissa Corrêa
Clarissa Corrêa é escritora e redatora publicitária.
É autora dos livros Um pouco do resto, O amor é poá, Para todos os amores errados e Um pouco além do resto.
Já foi colunista do site da Revista Tpm, do Vila Mulher e do Donna.
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