Sempre tive medo de falar de mim. É incrível, mas temos medo de afastar a cortina e dar de cara com algo que possa nos perturbar. O que me incomodava era falar sobre o que eu sentia, era estranhíssimo esse negócio de exposição de sentimentos. Então vivi por aí me escondendo embaixo de lençóis, fronhas, almofadas e falsos tá tudo bem, tá tudo bem. Sentia vontade de falar um bando de coisas, mas me limitava a fazer cara de planta sem água e murmurar um aham, uhum, é. Algo travava no meu peito; quando eu deitava e, enfim, tentava fazer o sono chegar a minha cabeça dava nó. Nó de escoteiro, - seja lá o que isso quer dizer - que me trouxe, de brinde, gastrite e insônia. Era difícil lidar com emoções, dizer com clareza olha, eu gosto de você, eu quero você, eu tô a fim de você. Da mesma forma que era complicadíssimo olhar na cara do sujeito e falar desculpa, mas você é um mala, não te aturo, nem aguento, sai daqui e nem pensa em voltar.
.No meio disso existia aquele machismo, nossa, o que irão pensar? Mulher se declarando para homem? Não, que feio, que horrível, que baixo, que sujo, que horroroso. Homem é que tem que dar o primeiro passo, o cara que tem que chegar, tem que dizer, tem que fazer, tem que seduzir. E eu fico lá quietinha, sorrindo, ficando com as bochechas rosadas e esperando o Don Juan fazer a declaração. Eu realmente achava que era assim.
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Um dia eu desachei tudo. Escuta, se você sente fala logo. O que tem de mais? A gente perde oportunidades por medo de falar, de se abrir, de jogar limpo, de se mostrar. Isso sim é que perturba ou, pelo menos, deveria tirar o sono. Nesse dia que desachei resolvi falar, disse com todas as letras eu me arrependi, eu quero ficar é com você, por muito tempo fiz tudo errado e me desculpa, vamos tentar de novo. Melô do "Tente outra vez". Só que o Murphy era o meu encosto, deu tudo errado, minhas palavras e declarações e tentativas foram em vão. E eu decidi que ia agir loucamente e fazer um caminhão de coisas, com direito a declarações noturnas, gestos descompensados e atitudes, no mínimo, esquisitas para um ser humano considerado aparentemente bem aparafusado. Virei uma dessas heroínas de desenho animado, que bate na parede, sofre acidentes violentos e levanta sem um fio de cabelo fora do lugar. Mas todos os meus fios ficaram desalinhados, tive muitas idéias, muitas ações e pouco resultado. De brinde ganhei enxaqueca.
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Para não correr o risco de ser premiada com mais alguma doença ou neurose, pensei tenho que ficar quieta, calar a boca aberta, deixar o barco correr, usar expressões detestáveis como a anterior, fazer uso de palavras comuns, frases bem mal-ditas e deixar a coisa acontecer de uma forma ou de outra. Sem o meu dedo. Sem o meu pó mágico. Sem a minha intervenção, afinal, o que é para ser acontece. Peraí. Eu não gosto de frases batidas, nem de palavras usadas exaustivamente, tampouco de me contentar com o era-pra-ser-era-pra-ser. Não é pra ser. Só se eu quiser que seja. E comigo é dessa forma que funciona.
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Reachei o que desachei. Qualquer pedacinho de sentimento?, fala criatura. Fala. Te abre. Diz o que sente o coração meio avariado. Se for, foi. Se não for, bem, você sabe... Resolvi não ser medrosa, se tem que fazer, vamos fazer. Então fiquei a fim de um cara. Um cara legal, gente fina, irritantíssimo, um pouco chato, irônico ao cubo. Parecido comigo. É, parecido sim. E daí eu soube (Murphy, te amo!) que ele tem namorada. É, tem sim. Só que eu, do meu jeito enrolado e meio estupidamente carinhoso de ser, cheguei para o chatérrimo e disse olha, soube que você tem namorada e fiquei incomodada com a história e blá blá blá. Dei a entender que tava enciumada e a fim do cara (que deve ter me achado a mais maluca das redondezas) e saí a passo. É, meus ataques de sinceridade duram pouco. Baixa a cabocla da verdade, falo e volto ao normal. O final da história?
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Um dia a minha impulsividade ainda me mata. Sei que sim.