Ontem lavei a louça, estava com as mãos machucadas e o coração pingando quando uma onda forte sacudiu meu cabelo, era um calor que me fez tremer de frio. Soa confuso, mas foi isso mesmo. Então me lembrei da felicidade. A felicidade daquelas mãos enroscadas com as minhas. Tudo é tão simples quando estamos de mãos dadas, percebeu? Existe uma magia que une os nossos dedos. Uma lágrima chegou perto de mim e eu pensei não, chega! Resolvi me precaver e colocar no stop as lágrimas que chegariam a seguir, bregamente decidi vou-rasgar-o-teu-rosto-do-meu-peito. Não adiantou, continuei lavando a louça. Mãos doloridas. Alma vazia. Unhas roídas. Coração pingando e fazendo barulho.
Você sempre fez de mim o que quis, nunca ouviu os meus barulhos, por mais incessantes e arruaceiros que fossem. Assumo: você fez o que queria e o que não queria porque eu deixei. Constantemente as pessoas nos testam, não porque são más, mas porque são pessoas.
Não sou a drama queen, mas percebi que finais são repletos de palavras tristes. Não importa se a história foi bonita ou feia, o final é triste. Tem gente que sai embelezando o que já morreu. É uma forma de manter um elo com o passado, lembrar só do que foi bom e colocar doses de açúcar pra ficar mais doce. Prefiro ser mais realista. Morreu, não vira santo não. Todo mundo enfia o pé em lugares indevidos, seja jaca, abacate, cara, emoção. Por mais emocionalmente deficiente (ou seria deficientemente emocional?) que eu seja, nunca dei um pontapé no sentimento dos outros. Tenho tato, nem sempre escolho as palavras certas, mas tenho tato.
Sentimentos surgem em segundos, olhares, dias. Nunca ouvi falar em sentimento que se desfez em um minuto e quarenta e nove segundos. Acho que ele vai se perdendo por uma série de micro coisas que vão juntando, se abraçando e se tornando maiores do que ele. Créc. Acabou. Mesmo assim, pegue a vassoura, junte os restos e coloque delicadamente em um saquinho. Não atire tudo no lixo como se fossem pó, como se fossem nada, como se fossem pedaços não mais importantes de você.
- Me apague da sua vida.
Da vida, do coração, da mente, da alma, da sua estante, dos seus livros, dos cd's, das caixas de fotos, discos, das memórias, lembranças. Me apague do que ainda não aconteceu. Do que eu sou, do que fui e do que não terei chance de ser. Me apague do que você sonhou.
- Me apague da sua vida.
Rasgue as fotos, cole os sorrisos, desfaça as montagens emocionais. Me apague da sua vida, não olhe para trás, chore até o nariz entupir e a garganta doer. Enfie o dedo nas feridas e aprenda a sentir a dor sozinho. Deixe o sangue escorrer e endurecer. Me tire da sua vida e não coloque curativos: eles não irão nos sarar.
Você não aprendeu que sou apenas alguém que tem um coração que bate e rebate e pára. Que volta a bater e se cansa e entende e rouba e doa e rejeita e se atira da sacada e pula na cama elástica e pára no chão e morre e revive e ri e chora. Ama e desama. Você acabou se enredando na teia do seu próprio e orgulhoso desamor.
Me apague. E deixa a vida te embalar, o barulho te corroer, a bagunça te entreter, o sonho te alcançar, a emoção te dominar. Deixa tudo te doer. E vive.