Quem me conhece pra valer sabe que sou diferente do que escrevo. Sei que muita gente confunde, os e-mails que recebo são fofos e adoráveis (Adoro essa palavra, soa bonita. Adorável. Adoráveis. Adorável, adorável, adoráveis. Parei.), mas não é a Clarissa perdida no meio das linhas. Nem perdida, nem achada. Todo escritor cria um personagem para si. Monta, constrói, inventa. Menos eu. Nunca criei, eu sou um personagem desde que nasci. De vez em quando sou a atriz principal. Protagonista glamourosa. De vez em sempre sou a figurante e a atriz made in Mexico, de vigésima sétima categoria. Posso ser a heroína, guerreira, sofredora de araque ou a vilã, malvada, bandida, cretiníssima. Ainda assim, atriz. Ainda assim, personagem. Ainda assim, nem perdida e nem achada. Ainda assim, possuidora de um eu-mongolóide.
Morro de medo quando sento pra escrever já prevendo que o eu-mongolóide vai incorporar no eu-mais-ou-menos-equilibrado. Não gosto de ficar abobada. Nem mongolóide. Só gosto de ser chata, insuportável e nada legal. Tô acostumada com esses meus lados. Como toda boa atriz, mudo de texto rápido, incremento diálogos, improviso cenas e troco o figurino em menos de cinco minutos. Mas nunca consegui trocar de coração. Se isso é bom ou ruim eu nem sei e não tá em questão. Eu achava que já tinha sido a mais monga do universo das mongas. E eu também achava que todas as pessoas do mundo eram babacas. E que todos os homens eram uns tremendos filhos da pu*a (minha mãe não gosta que eu fale nome feio). Até que...
Você sabe. É engraçado a quantidade de coisas que você sabe e nem sonha que sabe. Mas tá nos olhos verdes e nos cílios compridos que você sabe. O mais incrível da história é que nada disso é assustador. E pra mim as coisas sempre foram conturbadas. Todos os meus relacionamentos eram malucos, cheios de altos e baixos e confusões e drama, drama, drama. Eu pensava nossa senhora, nunca vou encontrar alguém mais ou menos a-normal.
Pra mim é muito difícil falar, uma vez até pensei que seria difícil demais sentir. Há muitos anos ganhei uma anjinha. Tenho tara por coisas fora da minha idade. Bichos de pelúcia, anjinhos, canetas de bonequinha e pijamas de sapinho. A tal anja se chama Rosinha e diz assim no papel que acompanha a prova viva da minha não-evolução: "A anjinha que traz consigo dois coraçõezinhos. Ofereça um a alguém muito especial e fique com o outro. Isso vai ser o elo de ligação entre vocês". E a anjinha tem uma mochila nas costas, lá dentro os dois corações pequenos. E adoráveis.
É bom estar ao seu lado, você me faz um bem enorme, gosto de ver o seu olho pequeno brilhando. Cheguei a pensar que tudo estava muito acelerado, mas tenho que parar de buscar explicação ou seja lá o que for. Algumas coisas não precisam de palavras, outras dispensam explicações, muitas delas são intraduzíveis. Talvez, no passado, eu tenha inventado muitas desculpas pra não me envolver, pra fugir de alguém ou pra me prender em furadas de propósito. É mais fácil, seguro e a gente não se expõe tanto. Tudo tinha prazo de validade, as pessoas me enjoavam rápido ou eu procurava incansavelmente algum defeito, me prendia nele e declarava que não dava mais. Fim. Até que...
Você disse uma coisa bonita, mais bonita que o adorável. Nunca conheci uma mulher que me fizesse desistir de todas as outras. Falei que era frase de filme, lembra? Daqueles que concorrem ao Oscar. Posso dizer que você é a pessoa que mais me deixa tranquila. Posso dizer mais: descobri que é muito, mas muito bom sentir essa tranquilidade. É tão bom que nem tem como explicar.
Poucas vezes pensei em tirar um dos corações da mochila da Rosinha. Desisti em todas, menos nessa.