A verdade é que um dia eu tive sonhos demais, expectativas demais, paixão demais. Tudo meio explodindo, em excesso, nada prosaico. Eu precisava demonstrar, me mostrar sem receios ou pequenos retoques. Acabei construindo um universo quimérico, que ficava escondido, servia de cais, porto seguro, artificial. A paixão vem do grego pathos, que é dor, patologia. Eu fingia que a dor não estava ali, que o meu mundo fictício era o ideal. E que ele seria ad eternum.
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É inevitável: um dia a ilusão começa a desmoronar. Você percebe que excessos não são saudáveis; quando o amor é puro não existem inflamações, cortes, nódulos, hérnias, artérias entupidas. Se o amor é seguro qualquer mal-estar se dissolve como sal de fruta na água. Você respira e sente uma paz inexplicável, além daquela sensação de o-mundo-pode-até-terminar-agora-que-eu-morro-feliz-da-vida. O seu mundinho pode não estar em linhas absolutamente retas, mas não importa o problema ou contratempo no percurso: você se sente afetivamente acolhido, emocionalmente confortável. Não existe nenhuma vontade descontrolada de gritar para a vizinhança ouvir que você ama desesperadamente aquele alguém; o amor não tem que ser insano.
Você olha para trás e descobre que tudo o que um dia teve infinita importância se tornou pequeno demais; irreal. Conseguir - de fato - amar não é complicado, se deixar amar é absurdamente perturbador. Você precisa se renovar, deixar virar poeira o que já estragou há muito, enfrentar o medo olhos nos olhos e marcar um encontro com o silêncio; o amor de verdade é silencioso. No silêncio está o melhor de você. E o melhor de você faz surgir o melhor dele. Os melhores se sintonizam. Em cada abraço você tem a certeza. A cada sorriso você vive novamente. Você se doa com prazer. A paixão quer grades, enquanto o amor quer ser livre. E andar de mãos dadas.