Quietude

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"O amor nunca morre de morte natural. Ele morre porque nós não sabemos como renovar a sua fonte. Morre de cegueira e dos erros e das traições . Morre de doença e das feridas; morre de exaustão, das devastações, da falta de brilho.”




Anaïs Nin







É lógico que eu tenho um lado mulherzinha. Talvez até o lado mulherzinha seja predominante, vai saber. Digo que não faço a menor idéia. A gente tem tanta coisa por dentro que fica difícil tentar entender. O amor nunca morre de morte natural, é verdade. A morte é súbita; às vezes ele morre de fome, vez ou outra vai parar na UTI, estado grave, em outras ele é pego por qualquer doença mesquinha que se torna desgraçada a ponto de nos deixar um farrapo humano, quase um vegetal, sem vida, com palidez e pena. A última, pra mim, é o pior sentimento que existe. Prefiro até a indiferença, mas pena não. Pena só de algum passarinho que, sem querer, bateu no vidro da janela, titubeou, foi-se embora e deixou de recordação uma mini parte. Talvez para nos fazer lembrar que a pena existe. Pobre do passarinho, será que machucou, será que quebrou a pata, será que saiu voando e lá na frente se estatelou de novo?

O amor precisa tomar sol, arejar, tirar o mofo. Vezenquando precisa ser pintado, polido, tem que passar cera. Dá pra engomar, se bem que odeio coisa engomadinha. O amor amarrota, mas as camisas também - e nem por isso deixamos de usá-las. Ele precisa sentir o vento na cara, por mais forte que seja, mesmo que enrede os cabelos. Ele nem sempre é certo e pode apostar: muitas vezes o amor é labirinto. A gente anda em círculos, se perde, vai pra um lado, outro, cadê, e agora, o que eu faço, me perdi, alguém ajuda. Ninguém ajuda, mas ninguém ama sozinho. E isso eu demorei pra descobrir.

Balela. Aquele papo todo era balela. Antes de amar alguém se ame primeiro. Que bobagem, eu pensava. Eu me amava, ora bolas, me amo, ora bolas. O amor próprio também precisa ser colocado na máquina de lavar. Omo, amaciante, tira manchas. Centrifuga e coloca na secadora. Não, na secadora não, algumas coisas encolhem e você sabe: o amor próprio jamais pode encolher. Estende no varal, espera secar, pode passar ou não, depende do tipo de amor, mas coloca de volta no corpo, alguns se ajustam, outros ficam estranhos e precisam do ferro. A gente tem que se auto-chacoalhar, ao invés de se auto-chacotar. Digo isso porque temos a confusa mania de arrumar para nós mesmos um motivo de chacota. Você vira o motivo de chacota do espelho, rá, bobalhona. Então, por proteção, passa a não se olhar mais. Só que chega um dia em que uma luz roxa lilás azulada sei lá que cor mas é tudo meio parecido começa a piscar e piscar e piscar mais forte e mais intensamente e você pára e pensa epa, o que está acontecendo na minha vida? É o amor por você mesma que está ficando desnutrido.

Há algum tempo atrás - e eu acredito que isso já aconteceu com você, afinal todas as mulheres têm momentos mulherzinha, que são repletos de chiliques e perturbações profundas e existenciais que beiram o suicídio em uma banheira cheia de pétalas de rosas e espumas coloridas, sim, queremos morrer com classe e perfumadas - o que eu mais queria era uma vida amorosa estável, feliz, madura e com finais de semana sossegados. O que eu tinha era uma vida amorosa instável, infeliz, infantil e com finais de semana que alternavam entre saídas com amigas para esquecer o filho da puta da vez e saídas para idas ao banheiro para vomitar, devido ao excesso de vodka. Eu até me divertia, mas passava mais tempo me iludindo do que vivendo. É aquela velha história: a gente pinta o sujeito com as cores que acha mais bonitas e atraentes. Um dia vem alguém e suja a parede de barro, então mandamos lavar. Quando o barro sai as cores acabam saindo junto. Sobra o cimento e os tijolos, sem tinta, sem cor. Fui eu que me enganei e imaginei loucuras ou o sujeito que era um sem gracinha cretino que fingia bem? É a pergunta que sobrevoa as pobres cabeças, sejam elas loiras, morenas, ruivas ou castanhas. Eu pensava que a partir do momento em que tivesse uma vida amorosa nos eixos tudo estaria lindo e belo e feliz e meu deus que coisa boa e gostosa, era tudo o que eu queria. Não.

Hoje eu posso dizer (mesmo porque não acredito nessa coisa de inveja e olho gordo e o escambau e pragas e vudus e macumbas e mandingas e coisas feitas e infelizes não me atingem) que a minha vida amorosa é o máximo. De verdade, sem florear as coisas. Meu namorado é um cara fabuloso, inteligente, tem bom senso, é carinhoso, paciente, me ouve (a gente sempre reclama que homem não escuta), lembra datas, entende a minha tpm, é divertido, criativo, tem um olho lindo de morrer, é lindo de morrer, cozinha bem, me escreve coisas lindas, tem o melhor abraço do mundo, pode ficar recalcada aí, não empresto, não troco, não vendo e acho que todo mundo merece um cara assim. Sem contar que ele me cuida quando tô doente, me dá a mão quando tenho medo e, de quebra, é bom de cama. Melhor, impossível. Muito mais do que isso: descobri o que é amar de verdade com ele. É o amor da minha vida e um dia quero casar com ele e ter um bandifilho e bandicachorro e bandiquadro na sala da nossa casa. Por favor, amor, não te assusta se estiver lendo isso, foi um devaneio pra ficar bonito no texto, relaxa aí. Acho que você entendeu a série de razões que fazem com que a minha vida amorosa seja realmente o máximo. Não quis me exibir, só fazer uma demonstração clara de que nada disso é garantia de felicidade total. Você tem que ser e estar e permanecer feliz com você mesma.

Eu explico: estamos sempre em busca de algo. Uma coisa ou outra sempre vai nos inquietar. Sou inquieta por natureza. Mas achava que a falta de quietude vinha de sucessivas quedas emotivas-sentimentais-amorosas-paixonísticas. Na verdade, o meu amor fica exausto. Falo do meu amor por mim. Ele precisa de massagem, óleo, alguns dias num spa bem bonito pra relaxar e esquecer que nem tudo é fácil. Ganha aqui, não ganha ali, é assim.

Uma coisa é certa: a gente vai viver buscando, por mais feliz que esteja. A outra coisa certa é que ainda bem que é assim. A vida não teria graça se a gente não tivesse alguma meta. Os sonhos estão aí justamente para irmos atrás. Se ele fica na palma da mão deixa de ser sonho. E na vida o que nos move é isso: a vontade de ser melhor.






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