Eu mudo bastante, com freqüência violenta. Falo de humor e exemplifico. Hoje acordei cedo-cedo-cedo, era tão cedo que o jornaleiro nem tinha atirado a Zero Hora aqui ainda. Acordei feliz, me olhei no espelho e fui com a minha cara (às vezes acontece, principalmente quando estou simpática, mas acredite: simpatia não é o meu forte.), fiz um café bem bom, cantarolei enquanto lavava a xícara, fui correr, produzi endorfina e, tecnicamente, nada poderia atrapalhar o meu dia. Tecnicamente, eu disse. Trim-trim, é incrível como um simples telefonema puxa o seu tapete.
Trabalhamos com pepinos, diga o seu problema, por favor, e aguarde na linha. Primeiro pepino. E eles começaram a fazer fila. Única. Indiana. E ela começou a ficar dupla, meu pai do céu! Uma amiga com um problemão (eu disse um pro-ble-mão! o "P" merece ser maiúsculo, com licença: Pro-ble-mão!), o jardineiro que não veio e a grama está quase do tamanho do muro que tem um metro e oitenta e cinco, uma professora que se odeia e deve estar com muita-tensão-pré-menstrual, a cadela que comeu a toalha que estava pendurada no varal, ai-meu-pai, falta acontecer mais o quê? Acredita em mim: pepino nunca é filho único e, às vezes, podem ser gêmeos ou trigêmeos. Meu humor, por óbvio, ficou do avesso. Telefone não parava de tocar e aquele barulho foi me dando uma irritação dos infernos e começou a me dar enxaqueca e eu pensei caramba, hoje é só terça-feira, pára tudo.
Eu mudo bastante, com uma freqüência violenta. Já tive o cabelo cor-de-cenoura-doente, castanho claro, castanho escuro, loiro-sou-bem-vagaba, loiro-de-moça-decente e agora ele tá mais ou menos natural. Mais ou menos, digo, pois só quem já mexeu no cabelo sabe que depois que mexe tem que remexer. É uma desgraça, mulher não deveria mexer no cabelo. Mas a gente é desgracenta. Um conselho: se você tem o cabelo claro (loiro, loiro médio, loiro cinza, loiro acastanhado, loiro loirão, loiro loirinho, loiro loiro, loiro apenas, quase loiro), por favor, nunca escureça as melenas, você irá se arrepender. Bem que a Mãe Diná me avisou. Já tive o cabelo comprido, liso, ondulado, repicado, picotado, em camadas, camadinhas e camadonas, agora quero ele normal, pelo amor, fica normal! E ele não fica, tudo depende do dia, ele nasceu, cresceu e evoluiu cheio de vontades, meu cabelo é mimado. Tive que cortar quatro dedos, sabe o que isso significa? Quatro dedos é muita coisa, mas ele estava cheio de pontas duplas e triplas, um horror.
Um dia eu quis muitas coisas, outro dia eu não gostava de muitas pessoas e em outra vez eu perdia a paciência mais rápido do que Miojo-fica-pronto-em-três-minutinhos-calma-minha-gente. Então eu percebi que a gente vai mudando, se adaptando, levando, se acostumando, se ajeitando, renegando, rejeitando, se recuperando. Há cinco anos atrás eu adorava boate, lugar cheio de fumaça, música alta e gente saracoteando na minha volta. Hoje eu detesto, prefiro lugares mais calmos, gente mais serena. Há dez anos atrás eu odiava cebola, não comia de jeito nenhum e hoje eu adoro. Há quatro anos pensei ter achado o big love da minha vida e então descobri que a gente não acha amor nenhum: ele nos acha e se apresenta. E de vez em quando (ou de vez em sempre) ele se atrasa, mas chega. Há poucos dias pensei que iria enlouquecer por estar com um pé quase nos trintinha e, vou te contar, estou bem resolvida e quase amiga do Balzac.
Ainda bem que a gente muda, tem que ter coragem. Mais do que isso: é preciso ter desapego. A mudança é fruto da nossa comunicação com o mais profundo de nós. E, você sabe, nem sempre conseguimos falar com o nosso próprio eu. Às vezes dá ocupado. Ou fora da área de cobertura. O que não podemos é deixar de tentar, uma hora chama. Trim-trim, pode ser pra você.