O final do ano vai se aproximando e, com ele, vamos juntando os pedaços de nossas vidas. Afinal, quem sou eu? O que pretendo fazer com o resto dos meus dias? Você sabe? De vez em quando me sinto incomodada, procuro a causa, não acho e o incômodo acaba se transformando em uma espécie de desespero. Não tenho um planejamento para o meu futuro. Metas? Muitas. Objetivos? Diversos. Planejamentos? Nenhum.
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Tenho uma pressa interna que me impede de planejar qualquer coisa. Resolvo hoje, amanhã troco de idéia e assim eu vou. Não deixo de cumprir o que prometo, mas mudo constantemente de idéia. Sei o que quero, mas não bolei estratégias para chegar lá. “Estratégia”, por sinal, é uma palavra que não soa bem. E o “chegar lá”? Gostaria de saber em que lugar fica esse “lá”. Depois que eu chegar lá no lá vou sossegar? A resposta é não. Se hoje você soubesse exatamente quem é, o que pretende e o que vai fazer nos próximos trinta anos, garanto que nunca estaria satisfeito. É aquela busca sem fim por algo indefinido. Nem sabemos, mas buscamos. Nem temos certeza de nada, mas seguimos em frente. Para onde? Não sei, o que importa é ir adiante. Um passo de cada vez e se tiver que recuar um pouco tudo bem, o que vale é continuar caminhando.
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Emaranhada na teia dos questionamentos, uma dúvida: o que é ser realmente bom? Eu não roubo, não mato, não engano. Sou boa? Não. Nem sempre sou boa, de vez em quando sou muito ruim para mim e para os outros. Já menti, roubei babosa da vizinha (faz bem para o cabelo), briguei por besteira, fui infantil, falei mal de várias pessoas. Se é para fazer confissões, assumo: já cobicei o homem da próxima. Já deixei de falar o que eu sentia, paguei preços altíssimos por falar demais e sem pensar e sem coordenar as mil idéias que vivem brincando de esconde-esconde na minha cabeça.
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Ser bom não é fazer tudo certo, dentro das normas e padrões. Ser bom é errar, enxergar, assumir, se desculpar. Ser bom é não ficar parado: precisamos fazer perguntas. Nem sempre as respostas virão, mas temos a obrigação de viver questionando. Não pense que só fazendo o bem você se torna bom. Se você tem a oportunidade de fazer o bem e deixa passar, desculpe, mas além de incompetente você não é bom coisíssima nenhuma.
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O famoso espírito natalino invade as casas, ruas, famílias e todo mundo resolve repensar a vida, voltar para a academia, parar de fumar, comprar uma casa na praia e viajar para a Tailândia nas próximas férias. Mais do que isso: é a época de doações. Brinquedos para o orfanato, pacotes de pirulito e bala para as creches, fraldas geriátricas para os asilos, agasalhos, cobertores, dinheiro. Preencha um cheque, acabe com os problemas do mundo! O mundo é capitalista, eu sei, mas acredito no poder do sorriso, do abraço, do ouvido. Uma vez por semana vá ao orfanato, sente no chão, brinque com as crianças, dê uma atenção especial, passe a mão no cabelo delas, dê carinho, mostre que você se importa. Uma vez por mês vá ao asilo, sente ao lado de um velhinho, dê mingau na boca dele, ouça pela vigésima vez a história que ele conta, fale dos seus livros preferidos. Uma vez a cada seis meses vá a algum hospital, leia para as crianças, para os velhos, para os doentes, para quem realmente precisa de você. Uma vez na vida faça alguma coisa! Pra você, por você, apenas isso. Não faça para ser o bonzinho, o bonito, o bem quisto. Faça por gosto, invisivelmente, porque tem vontade, tem tesão, tem o simples desejo de fazer.
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Dinheiro não é gesto de carinho e fazer a linha sou-legal-e-bonzinho só nesta época do ano é uma espécie de auto-salvação. A pessoa deve estar cheia de culpa (e sabe-se lá o que mais) para resolver fazer tudo o que não fez nos outros trezentos e tantos dias do ano. É por isso que eu amo o ano todo, a vida inteira. Como eu disse, nem sempre sou boa, legal e consigo fazer o bem. Mas nunca, nunca, deixo de sentir.