Diários da consciência

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Medo de tirar a roupa. Não por escancarar pequenas imperfeições, mas por mostrar-se frágil, sentir o vento bater nas costelas e estar completamente sem proteção.




Há algum tempo uma amiga me ligou, havia um tom preocupado em sua voz. Por favor, me ajuda, vou fazer uns testes psicológicos para uma entrevista de emprego. Ela, que sabe dos meus sutis conhecimentos de Psicologia, estava no mais completo desespero. Ela, que precisava daquele trabalho, tinha que se sair bem. Ela, que tinha que se sair bem, queria saber todas as dicas e truques dos tais testes. Calma, seja você mesma, isso basta. Não, me ajuda, é sério, tenho que ser quem eles querem. E quem você pensa que eles querem que você seja?, perguntei. A resposta, é claro, não veio.



Não existem fórmulas para testes. Estou mentindo, até existem. Não um padrão, mas existem alguns parâmetros, alguns pontos do que é ou não aceitável. Mas esse senso comum do normal-anormal é balela. Se você esquece de colocar o guarda-chuva no desenho pode significar simplesmente que você esqueceu de colocar o guarda-chuva no desenho, simples assim. Isso não faz de você um louco ou despreparado ou distraído ou menos capaz.



Passei minutos que quase se transformaram em horas tentando acalmá-la, sem sucesso. Todo o assunto me remeteu ao grande questionamento que as pessoas, por vezes, fazem: quem queremos ser? Quero ser o que sou ou quem você quer que eu seja? O emprego, pra ela, era importante, essencial. Tão importante que ela tinha que ser 100%, queria a perfeição. Mas ela é perfeita? Lógico que não, ninguém é. Então, afinal de contas, devemos ser o quê?



“Os meus sonhos são um refúgio estúpido, como um guarda chuva contra um raio. Sou tão inerte, tão pobrezinho, tão falho de gestos e atos. (...) Por mais que por mim me embrenhe, todos os atalhos do meu sonho vão dar a clareiras de angústia.”



(Fernando Pessoa, Livro do Desassossego)





Você pode me achar um pouco contraditória, mas em matéria de testes sou uma negação. Odeio testes, não gosto de me sentir testada. E tenho medo, muito medo do que existe no fundo da minha consciência. Um simples teste não pode me desvendar tão facilmente. A análise não me desvendou, tampouco a psicoterapia, muito menos as reflexões noturnas. Quem eu devo ser? Quem eu sou, com tudo o que há de perverso e mágico nisso. Angustiante? Talvez, mas acho maduro termos a certeza de que nunca vamos corresponder às expectativas alheias. Não me refiro ao teste da entrevista, me refiro ao dia-a-dia.



O outro nunca será o que você espera, é por isso que castelos desmoronam. Se nós nos surpreendemos com as nossas próprias atitudes é mais do que sabido que nos surpreenderemos com as do que nos rodeiam. Existe, também, o medo do julgamento. Não é fácil saber-se testado. Você se sente nu no meio do shopping center, com pessoas circulando, apontando o dedo e rindo. Se vale a máxima do relaxa-e-goza, aproveite a nudez e dance a macarena. Pelo menos você dará boas risadas.








* texto escrito em 30 de junho de 2008.
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