Segundo o Código Penal, o aborto só é permitido se feito por médico, para salvar a vida da gestante; com o consentimento da mesma - se a gravidez é fruto de estupro e a jurisprudência entende que em casos de fetos anencéfalos o procedimento também pode ser realizado.
“Primeira premissa: é errado matar um ser humano inocente.Segunda premissa: um feto humano é um ser humano inocente.Conclusão: logo, é errado matar um feto humano.”
(Peter Singer)
Você já deve ter ouvido falar no Peter Singer. Alguns ativistas políticos da Europa disseram que ele é a pessoa mais perigosa da face da terra, a imprensa dos Estados Unidos o apelidou de “Dr. Morte”, os alemães afirmam que ele não passa de um nazista. Singer é australiano e filósofo. Ele afirma que a eutanásia, o infanticídio e o aborto são extremamente justificáveis sob algumas circunstâncias – quando, por exemplo, uma lesão cerebral faz com que seja claramente impossível que o bebê tenha uma vida normal.
Algumas crianças seriamente retardadas jamais atingirão o nível de inteligência de um cão", diz ele ao se referir sobre a possibilidade de submeter bebês com deficiência à morte indolor. E prossegue: "o ato de matar um bebê deficiente não equivale, moralmente, ao ato de matar uma pessoa". Singer deixa claro que, em seu vocabulário, a palavra pessoa se resume somente a seres dotados de autoconsciência, autonomia e capacidade para viver sensações como dor e prazer.
Para alguns o pensamento de Singer é deveras chocante. Para outros é um argumento que vale a reflexão. Tirar a vida de um bebê com problemas graves e sem prognóstico favorável seria um alívio para pais e o próprio bebê? Calma, antes que você me atire pedras eu explico. Não sou uma seguidora de Singer, mas concordo com algumas teorias dele. Imagine um bebê limitado, que não vai sorrir, engatinhar, caminhar, dizer “mamãe”; um bebê que será um vegetal, que sentirá dores e será infeliz, que não poderá desfrutar de uma vida plena, que demandará tempo, cuidados especiais, assistência 24 horas, dinheiro, sonhos espalhados no meio da rua. Quem planeja um filho automaticamente imagina, além do nome e do rostinho, o primeiro tombo, assim como os primeiros choros, o primeiro dia na escola, na faculdade, até mesmo o primeiro namorado. Tudo como se fosse a primeira vez. Com um bebê deficiente isso se torna impossível. Você e o bebê ficam de mãos atadas e planos interrompidos.
Não tenho filhos, mas tenho sobrinho. Ele é um bebê saudável, tem as bochechas rosadas, é esperto, lindo, o mais inteligente dos bebês. Se ele tivesse algum tipo de deficiência não seria menos amado por mim. Mas doeria muito saber que ele jamais poderia experimentar a sensação de ter uma vida repleta de projetos e felicidade. Ainda assim, na minha concepção, ele seria uma pessoa.
Singer vai além. Ele afirma que se na gravidez a mulher sabe que terá um filho com Síndrome de Down o melhor é ela tirar a criança e fazer outra, pois as chances de que o próximo bebê tenha problemas são mínimas. É evidente que a Igreja Católica detesta Peter Singer, afinal, para eles o que importa é a vida. A vida é uma dádiva, só Deus pode dar e tirar. E se Deus resolveu te dar um filho deficiente, paciência, vai ver que você precisa passar por algum tipo de provação.
Acho difícil opinar em um caso como esse. Só quem passa por um tipo de situação parecida pode palpitar. É claro que eu tenho a minha visão. Mas hoje em dia você escolhe a cor do cabelo da criança, a cor dos olhos, daqui a pouco você compra o seu filho no supermercado mais próximo. A surpresa, a espera, o não saber foram embora. Hoje em dia, com a tecnologia e o avanço da medicina, você sabe tudo e mais um pouco.
O que eu realmente não entendo é essa gente que faz do aborto um esporte. Existe camisinha. Camisinha fura, então existe pílula anticoncepcional. Também existe educação sexual. Também existe noção – ou a falta dela. Todo mundo sabe como nasce uma criança. A cegonha não existe, minha gente. Se não quer filho, evita. Não venha dizer que foi descuido ou acidente. Acidente é pílula de farinha. Descuido é a camisinha estourar e você nem perceber. Ainda assim existe a pílula do dia seguinte. Se com tudo isso você engravidar e quiser abortar, tire. Agora eu vou ser presa. Mas é verdade: se você faz uso de métodos contraceptivos, não quer um bebê agora e deu zebra eu acho que você tem o direito de escolher se quer ou não um filho. Reformulando a frase: você já escolheu não ter a partir do momento em que usa algo para evitar. Deu azar? Acho que devia ser permitido a mulher escolher, afinal, o corpo é nosso. Temos domínio da nossa vida, menos do nosso corpo.
O aborto por essas bandas é pecado, coisa do demônio. Sou a favor dele em muitas situações. Se é pro bebê nascer e ter uma vida indigna, concordo com Singer. Se é pra você jogar o seu filho recém nascido em um rio ou atirar a sua filha pela janela do sexto andar, por favor, tire. Isso sim é que traz menos sofrimento.
* texto escrito em 24 de julho de 2008.