Coisas da gaveta - o retorno

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(É que de vez em quando o pensamento vai longe - viaja rumo ao infinito - e a gente se pergunta: qual é o destino de tudo?)






Cadê eu no meio disso tudo?, perguntei. Às vezes você dá de cara com situações fora do padrão e, ao invés de fingir que não conhece e seguir a passo, para (sem acento) e começa o tricô. Você e essa mania de querer ser simpática! Isso vai acabar te matando. Quando eu era menor que o mundo a minha mãe dizia pra não falar com estranhos. Acho que ela me colocaria de castigo se soubesse que eu paro pra conversar - como se fosse velha conhecida - com um algo que eu dei de cara em uma rua qualquer. Faça-me o favor! Agora sou grande e, sabe, dentro de mim cabe o mundo.

O problema, você sabe que sempre tem um, é que dentro do mundo tem muita coisa que não presta. Se o mundo cabe em mim e dentro dele tem muito lixo, logo, dentro de mim tem o DMLU inteiro. Antes que eu pareça maluca ou fique confuso, me calo. Nem sempre é bom falar, aprendi dia desses. A gente acha que é sincera falando tudo e quando vai ver, ferrou. Guarda as palavras na boca, menina. O silêncio vale ouro, vovó dizia. Vale, vovó. Vale mesmo. Só que nada fica engasgado aqui e a menina tem uma mania de simpatia e sinceridade exacerbadas que vou te contar. Tudo depende do dia, pois a menina também acorda como quem chupou limão, volta e meia. Em suma, a menina anda de montanha-russa. Ninguém é obrigado a entrar no brinquedo junto, mas quem tá na chuva é pra se molhar, dizem os antigos. E a menina o que diz? Ai, desculpa, fiz merda de novo, mas juro que não quero ser assim.

Uma vez eu tive uma idéia estapafúrdia, queria alugar meu corpo. Antes que você pense que cogitei entrar no meretrício, nada disso, explico: vezenquando canso da minha cara e quero me dar férias. Me perco no meio de tudo e acho que a melhor saída é juntar meia dúzia de trapinhos e colocar o pé no mundo. Os problemas vão junto, disseram. Ah, Deus meu, é melhor ser problemática em Paris do que em Porto Alegre, no verão, derretendo e sentindo a pressão ir pro beleléu. Me canso no meio de tudo, dá vontade de passar uns dias fora de mim, dar um rolé, um giro, sei lá. Alugar meu corpo pra outra pessoa que, quem sabe, também estará cansada ou perdida, vai saber. Sei que a idéia é inviável, mas ninguém me impede de fazer planos que nunca se concretizarão.

Tenho medo de quem se aguenta sem trema o tempo inteiro. Eu não me seguro sempre, assumo. Andei pensando no meu egoísmo, palavra feia essa. Morro de medo dela. E de mim, tenho medo de mim. Tenho medo porque um dia a gente acorda e não se reconhece mais. Às vezes você dá de cara com situações fora do padrão e, ao invés de fingir que não conhece e seguir a passo, para (sem acento) e começa o tricô. Quando eu era mais pequena que tudo e o mundo a minha mãe disse coisas sábias. Agora eu cresci, dentro de mim cabe o mundo inteiro e mais um pouco. Mundo de pernas pro ar e um punhado de gavetas em desordem. Tudo tem o seu preço, quem mandou falar com estranhos?


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