A lembrança tem gosto doce porque a memória tem mania de esquecimento - ou se faz de desentendida e passa a perna na gente. Tudo que foi difícil de ser digerido vai se tornando apenas lembrança, vaga lembrança, com o andar do relógio. O tempo, dizem os entendidos, é remédio pra toda e qualquer adversidade-medo-temor. Não preciso ver para crer, prefiro sentir para saber. E ontem eu senti.
Esqueci de como algumas lembranças me doíam até deparar com uma imagem sua no jornal. Você, feliz da vida, com aquele sorriso infeliz pra vida toda. Me perguntei se a culpa era mesmo minha, como eu insistia, insistia, insistia. Incansável, eu queria ser exata. Eu queria ser tanta coisa pra você, significar tanto, fazer tanto que o grande prêmio foi a perda: acabei me perdendo no meio de tanto querer.
É difícil entender os limites da paixão: quando é saudável, quando deixa de ser. Quando é ilusão de ótica, quando é birra. Quando é puro, quando é objeto do desejo, coisa descartável. O sono pula a janela, o sossego esquece de dizer "presente". E nós, submersos na ingenuidade, pensamos que aquilo é um amor. Mas é engraçado, o amor não dói. E não, não me faça essa cara de espanto, eu repito: o amor não dói. O ciúme, a insegurança, a desconfiança, a falta de, o medo de perder a pessoa amada, o medo de amar, o medo de nunca ter sentido tamanha felicidade na vida inteirinha, isso sim dói. O amor, amor como sentimento, amor como coisa plena, amor como som no peito, amor como sorriso no olho, amor como poesia na boca, amor como amor, esse não dói.
Eu achei que fosse amor, engano. Pensei que nunca mais fosse esquecer o que foi bom e doído. Era um pacote lacrado: você, umas migalhinhas e três garrafas de sofrimento. Bebia tudo, sem dó. Eu e a minha dor inesquecível junto com meu suposto sentimento inesquecível. E descobri que a lembrança é feita de açúcar, mesmo salgada.