Apenas isso

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Perdi o gosto bom das coisas, ela disse no começo da manhã. Fiquei pouco atônita, pouco pensativa, como assim? Perdi, ela disse. No final do dia, depois de horas de trabalho, alguma desilusão, dor nas costas por passar mais de oito horas sentada, o corpo doido por uma água morna, os pés implorando uma pantufa cheia de aconchego, a barriga pedindo por favor uma comida boa e honesta, o coração pulando em busca de um porto, eu entendo. Entendo o gosto dilacerado ou perdido ao longo do dia. Mas uma manhã como essa, pura e nova e fresca e tão azul, de um azul bonito e quente, um azul vivo e limpo, não sei.


O dia em que você perder tudo, vai saber. Foi isso que ela me falou antes de girar os calcanhares e sair pela porta, cabeça baixa procurando formigas nos cantinhos do corredor da sala, peito arranhado, olhar cheio de lodo e interrogações. Minha razão deu um suspiro imenso ao ver a cena. Perder tudo, mas o que é tudo? Lar, família, trabalho, amigos, vontades? Não. Ela estava se referindo aos sentimentos nobres, pensei. Mulher quando perde o gosto bom sei bem o que é: desilusão. O que dói em geral nem é a perda da pessoa em si, mas da imagem que a gente fazia da tal pessoa. Vira um tumulto emotivo, nossas inquietações cutucam e provocam.


Ruim mesmo é um dia a gente perceber que amou e gostou e quis sozinho. O outro era apenas um reflexo das nossas aspirações. O outro, no fim, existia apenas dentro de nós. É por isso que o tempo faz com que todas as lembranças sejam boas, doces. E deve ser por isso que quando a gente finalmente desperta acaba perdendo o gosto bom das coisas.
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