Sou uma mulher de gostos e versos. Um pouco ladra, eu diria. Roubo histórias, bordo palavras, costuro sonhos, desato pensamentos. Coisas de quem escreve, encare assim. Quem fica ao meu redor tem que entender que, vez em sempre, algo será tomado para e por mim, sem dó. Me aproprio indevidamente de vidas e falas. Não leve a mal se por ventura algum dia o seu sossego for passear junto comigo. E se por acaso a insônia se tornar a sua melhor amiga, admita que eu venci. Gosto de esfregar na cara do suposto adversário as minhas vitórias. Em certas ocasiões o mais digno é engolir tudo elegantemente.
Se você for um pouco inteligente ficará ao meu lado e se me for permitido lhe dar um conselho, anote aí: é melhor para a sua saúde que você permaneça coladinho em mim. Posso não estar certa sempre, mas o meu Dom do Convencimento nunca entra em férias. Não sei nenhuma luta marcial, mas defendo os meus com garras, olhos e a minha principal arma: a palavra. Se nada der certo dou um golpe que pertence ao Clube Internacional das Mulheres Ninjas e Cheias de Peito e aí, meu filho, quero ver quem resiste para contar essa história na próxima semana.
Já preenchi o Cadastro Nacional De Pedido Interno Para A Próxima Encarnação (Série P, porque a Série A é para Animais), era uma espécie de formulário cheio de perguntas no melhor estilo o-que-você-faz-da-vida-quantos-televisores-possui-qual-o-estado-civil-quantas-maldades-já-fez-é-lipoaspirada-já-matou-formigas-no-quintal-quantos-velhinhos-ajudou-no-meio-da-rua. O envelope do formulário - sim, ele era envelopado e tudo, amiga - era daqueles de levantar a pingolinha e passar a língua - epa, leve conotação sexual no ato - para colar. Ui. E na língua fica aquele gosto a cola. Língua colada. Piña colada. Na próxima encarnação quero vir vestida de euzinha mesma, de novo. Explico: não basta uma vida para eu entender. O mundo e a mim. Eu não consigo caber em mim, simplesmente não consigo.
Gostaria muito de entender quem não se importa e somente vive sem se preocupar com o resto. O resto é a gente mesmo, as nossas muitas formas de ser. Porque você não tem apenas uma maneira, pode ter uma essência, mas todos os dias se descobre novo. Nem sempre limpo, mas novo. Sou um poço de questionamentos, não aquieto nem dou trégua. Eu sei que sempre vai faltar, para uma pessoa que nem eu, alguma coisa sempre vai faltar. Nem sempre vou saber o que é, mas sei que vai, sempre vai e eu entendo e me rendo e digo que tudo bem, vou aceitar. Só queria, pelo menos hoje, achar que tudo está completo e que nada precisa ser respondido ou perguntado. Queria ser como os outros, pelo menos por uma meia hora. É que ser eu todo dia cansa e confunde, talvez a solução seja chamar o Roberto Justos, quem sabe assim ele me demite? O problema é que, mesmo demitida, ainda serei eu. É por isso que eu disse: muitas encarnações serão necessárias para que eu finalmente entenda. Ou que compreenda que não há nada para ser entendido, está tudo bem na minha frente.