Estou de molho e trancafiada. Nada saracoteios, prisão perpétua até tudo ficar em ordem. Quando a gente quer fazer absolutamente nada, não dá. Tem que trabalhar, fazer as compras da casa, colocar as roupas na máquina de lavar, dar comida para o cachorro, checar a correspondência, fazer o jantar, ufa, é tanto que ficamos perdidos. Quando finalmente deitamos, um pensamento: amanhã tem mais. Sempre haverá mais. Pode ser mais do mesmo ou mais de outra coisa, a opção é do freguês. Já o repouso obrigatório é bom durante uma ou duas horinhas, só que o relógio vai andando e o tédio se instalando. Então ontem, depois de tentar achar (sem sucesso) uma posição agradável para deitar, assisti a um filme e vi um programa no GNT. E me surpreendi, pois os dois tinham uma forte ligação. Lá fui eu desenvolver as minhas teorias...
O filme se chama Um beijo a mais. Algumas pessoas - homens e mulheres, pois não são só os homens que acham determinado filme "de mulherzinha" - podem achar a história rasa, vazia. Engano total. Ele pode ter traços, principalmente no começo, nhéin-nhéin-nhéin, mas com o rolar da fita - ou dvd - você percebe que não é bem assim. O assunto é simples: eles namoram e ela engravida. Ela é a namorada que todo o homem quer: bonita, confia nele, é a típica namorada-na-hora-que-tem-que-ser-e-amiga-dos-amigos-dele-na-hora-que-tem-que-ser. Ele tem um ótimo emprego, amigos fiéis. Mas ela engravida e ele fica com medo. Medo do quê? Eles não são mais adolescentes, são adultos responsáveis e, o principal, se amam. Algo errado? Talvez isso, pode ser que tanta perfeição incomode. Eis que ele conhece uma menina. Bonita, atraente, que oferece o corpitcho e, de quebra, o lado divertido da vida. A namorada, com três meses de gravidez, descobre. Se você quer saber mais, assista, vale a pena. Vale a pena até ver de novo, para quem já conhece a história.
Tanto trololó desencadeou uma enxurrada de pensamentos: até que ponto o amor existe? Até que ponto a gente bate o pé porque quer que aquele aglomerado de sentimentos e sensações seja amor? Quem disse que é amor? O amor vence tudo? O amor sobrevive a tentações cotidianas? O amor é resistente aos venenos da vida? Aguarde cenas dos próximos capítulos. Se quiser, pegue uma pipoquinha.
O filme acabou, fiquei zapeando feito barata tonta até achar o tal programa. Resumindo a história: um casal estava com problemas financeiros. O cara ganhava bem, os dois tinham uma vida classe média mais pra riba que pra média, seis filhos (isso mesmo, seis). A mulher queria ser a mais bonita do bairro, com a melhor casa, a família perfeita e por causa disso gastava feito louca. Uma consultora financeira foi chamada para a emergência, pois eles estavam atolados em dívidas. Ora, ora, a mãe dizia que amava os filhos e cada um deles tinha apenas duas ou três camisetas. Ela tinha um closet enorme, do tamanho do meu quarto, abarrotado de roupas e sapatos de grife. Loira platinada, toda mexida e com ares de nunca-lavei-um-copo. O marido tinha cara de paspalho. Ela, a dondoca, não queria trabalhar, o cara colocava a grana do mês na mão com unhas bem feitas dela e você já sabe qual destino tinha a dinheirama. Uma vida de excessos. Os seis filhos sem plano de saúde, mas com passeios a Las Vegas no aniversário. Nos Estados Unidos não é qualquer um que vai ao salão de beleza, lá é um tipo de luxo, pois é caro. Não estou dizendo que é carinho, é caro mesmo, tipo cem dólares. Imagina se você vai fazer mão, pé e escovinha no cabelo?
Que mãe é essa que vê os dentes da filha de cinco anos apodrecendo e nem se preocupa, pois achou um vestido lindérrimo numa vitrine? Que mãe se preocupa só em dar as melhores festas? Que mãe diz que ama o marido e os filhos e não demonstra o menor sinal de amor?
Não sou ninguém para julgar o amor dos outros. Seria uma ignorância da minha parte dizer que o fulano não ama, ama menos ou desconhece o amor. O amor não pode ser classificado assim: até aqui é só paixão, passou daqui é amor. Isso é burrice. É claro que existem muitos sentimentos: amor, paixão, tesão, vontade, saudade. Eles se misturam e muitas vezes nos enganam. O sentimento de posse, por exemplo, é bem safado, adora enganar a gente. Sabe aquele cara que disse bem na sua cara que não sentia nada por você? O tempo passou, ele sempre passa. Às vezes ele demora. E agora você está numa boa, feliz, contente com você mesma. Tão contente que se apaixonou de novo, por outra pessoa. O cara soube e não é que misteriosamente ele descobriu um amor imenso por você? Que loucura, não? Ah, o tempo me fez ver que eu ainda te quero. Como assim, me quer? Ainda? Mas quando eu disse que queria você nem me deu bola, inclusive zombou dos meus sentimentos. Agora vem dizer que me quer? Dá um tempo! Ah, mas é que eu percebi isso quando te vi nos braços de outro homem. Olha, para mim isso fica bem em algum roteiro de filme de quinta categoria. Na vida real isso é posse. Posse suja, ainda por cima.
Tanto no filme do cara que beijou outra (que não era a namorada) quanto no programa que a mãe comprava o mundo inteiro para ser perfeita, o problema é um só. Você beija outra pessoa porque sente atração, porque a atração despertada é maior do que o seu sentimento. Você compra o mundo porque se sente vazio. Algo dentro de você não vai bem para querer comprar a toda hora e esconder do marido tudo o que gasta. Você quer a perfeição e vai se desesperando, vira uma bola de neve. Você gasta, mente, esconde, diz que foi mais baratinho. As contas vão aumentando. Você mente mais, esconde mais. A vida está linda, a casa um luxo e você impecável. Mas por dentro é uma sujeira, pobreza, vazio. Que amor é esse que vive coberto por mentiras? Você não sabe quem é e por isso tenta se tapear. E depois diz que faz tudo por amor.
O amor não é uma desculpa. Você não pode justificar o ciúme com o amor. Sinto ciúme de você porque te amo demais. Eu já disse isso, mas hoje vejo diferente. Se eu amo demais, o problema é meu. Dizer que ama e quantificar o amor só serve para quem sente. Se eu tenho o maior amor do mundo, o mais puro e o que mais me faz feliz o problema é exclusivamente meu. Sabe por quê? Não importa o amor que eu sinto, não para o outro. Para o outro importa como eu demonstro, me comporto e vivo esse amor. O que adianta eu dizer que o meu amor é o mais puro de todos se eu não mostro isso? O amor não é uma palavra bonita. O maior problema do mundo, hoje, é esse. As pessoas acham que falar basta. Não, falar não basta. O amor não tem que ser dito, ele precisa ser sentido, senão ele não sobrevive.
Ninguém vive de palavras bonitas. As palavras importam – e como importam! – mas o principal é sentir-se amado, saber que o outro abraça, beija, olha, ouve, ajuda, com amor. Dentro do amor tem a paciência, respeito, cumplicidade, humildade, compaixão, solidariedade, amizade, carinho, honestidade, lealdade. Dentro do amor tem a realidade. Só é real o que é palpável. E como não podemos pegar ou tocar no amor (porque ele não é um objeto), só é real o que a gente, de olhos fechados ou abertos, sente. Em qualquer circunstância. Por isso, sem devaneios, ilusões, floreios e imaginações: quem ama você demonstra. Todo o santo dia.