Sentei disposta a escrever sobre um assunto, de vez em quando é assim: a cabeça armazena dados e imagina fontes, como se fosse uma grande receita. Junte a palavra A com o sentimento B, pique bem as cebolas, seque a lágrima que surgirá, limpe o nariz na manga do moletom rosa-velho-bem-velho-e-poído-do-Mickey. Adoro o Mickey e tenho um moletom rosa-velho-bem-velho-e-poído, não me desfaço porque gosto muito, quem sabe, de coisas velhas e poídas. Reserve. Misture a emoção C com o alho cortadinho, lave bem as mãos com detergente bom e passe um creminho cheiroso, depois dê três pulinhos e se você gostar de números pares como eu, some um, complete quatro e reze para o cheiro de alho completamente desagradável e intrometido sair da sua mão. Se não adiantar siga pulando, assim já aproveita a brecha e queima aquelas calorias necessárias - e não adianta fingir que não, a prova delas está bem na sua frente. Ou nas costas, coxas, braços, bochechas, dando curvas intensas e muito bem definidas na sua vida.
A receita está no papel, livro, caderno, tanto faz, a receita está na internet. Hoje tudo está na internet, inclusive a vida da gente. Como é o nome da rua do Marquinhos? Procura no Google. Quanto tempo demora para chegar lá? Google nele. O que o Marquinhos tem feito? Dá um Google. O Google se tornou um grande espalhador de notícias, fonte preciosa, um fofoqueiro de primeira categoria. O Google é detetive e meu melhor amigo. Professor de português, mestre da sabedoria e de vez em quando faz palhaçada e macaquices. Sim, o Google também engana, pensa que o primeiro de abril acontece algumas vezes por ano. O Google encurta caminhos, poupa o tempo, se mascara de dicionário e poliglota. Conta tudo em primeira mão e é capaz de guardar muitos fatos e memórias em seus arquivos pessoais. Causa vício e dependência, fique longe dele. Ou se entregue e morra de overdose. Não largo o Google por nada neste mundo. Google, eu digo "sim", te aceito eternamente, até que a morte nos separe. Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, mas promete pra mim que você nunca adoecerá. Google, me dê a mão no escuro e me abrace forte.
Fui intensamente dramática no parágrafo acima. Propositalmente, por óbvio. Sentei disposta a escrever um assunto e o teclado me levou para outro. A receita está ali para ser seguida, mas sempre invento na cozinha e incremento uma coisinha aqui e outra ali. O resultado, bem, só provando, sentindo o gosto. Se você quiser, feche os olhos e saboreie. Sinta a arte na boca, afinal, cozinhar é arte pura. Não vim aqui falar de delícias culinárias ou descobertas googlerescas. O buraco é mais embaixo e bem aparente.
Não bastasse o jogo de aparências existente na nossa sociedade, surpresa: chegou a aparência virtual. Não basta estar bonita, o Orkut precisa estar recheado de citações, frases de efeito e fotos cheias de efeitos photoshopescos e especiais. Não é o suficiente ter a bunda dura, é preciso contar para todo mundo no Twitter o quanto você sua o top na academia. Não adianta contar para a melhor amiga que a noite com aquele cara que você estava de olho foi bacana, é preciso colocar frase no MSN "eu arraso". Myspace é coisa do passado, tem que estar no Facebook. Quanto mais amigos, melhor. A internet virou uma grande vitrine, pessoas se escondem atrás de um nick, fotografias no ângulo mais bonito. É claro que todo mundo quer sair bem na foto, eu quero e você também. Mas a vida é mais do que comunidades no Orkut. Não adianta ter 999 amigos, fazer um novo profile e ser um solitário, dormir sozinho, não ter com quem dividir a dor nas costas no final da semana. Sinceramente, ando decepcionada.
Na internet todo mundo pode ser o que quer, mostrar a parte que quiser. Cada vez mais as pessoas fogem de si mesmas, do próprio espelho, não querem se ver. Isso as torna mais e mais carentes, perdidas e solitárias. No Orkut você pode ter muitos amigos, amantes, caras, corpos. Pode ter inclusive perfil falso. E quando a cabeça encontra o travesseiro pensa no quê? Não entendo essa gente que diz "tira uma foto minha pra eu colocar no Facebook". Duvido que alguém queira viver uma vida ilusória, tirando fotos para serem divulgadas na internet, constituir amizades e relacionamentos baseados na fajutaria apenas para ser o mais procurado, solicitado e bem relacionado. Já é difícil dar sorriso falso na rua, desculpa, mas pra mim é muito cansativo fazer carinhas virtuais sorridentes sem vontade.
Viver de aparência virtual não entra na minha cabeça. Papinho de Orkut me cansa "vamos marcar de sair", "vamos mesmo". Pega o telefone e liga, simples assim. Adoro a internet, não estou aqui fazendo um Movimento Anti Tudo Internético, nada disso. Mas as pessoas, preocupadas em sair bem na foto, marcar encontros que nunca saem, entrar em comunidades só pra parecer legal, colocar frases de Sartre-sem-nunca-ter-lido, disfarçar rugas e imperfeições, acabam esquecendo de viver o mundo real. Um sentimento não é uma tecla, muito menos um monitor. Não é um "enter" ou um "delete". Vai além. O Orkut, Facebook, Twitter e até mesmo o Google vão morrer de velhos. Tudo tem prazo de validade, não sei quem disse que envelhecer é feio. Ou monstruoso. Não é, não acho, mas confesso que tenho medo. As pessoas, antes de saírem por aí querendo aparecer em vida real e virtual, em ter o melhor carro, melhor corpo, melhores amigos, melhor tudo, deveriam pensar em temperar o coração. Uma boa refogada também pode ser transformadora. E inesquecível. Não esqueça da pimenta e do azeite, eles dão um gostinho extra.