Eu me encontrei dentro do táxi. Logo que entrei naquele carro vermelho senti que minha voz engasgou e não consegui explicar para o motorista como fazer o melhor trajeto para chegar até a minha casa. Eu estava sem vírgulas, meu pensamento era um tornado. Fechei os olhos e deixei tudo se acomodar dentro de mim, ainda que inutilmente. O choro era mais forte que o silêncio, o vazio pulava para fora da minha blusa. O motorista, atento, entendeu o recado. Lá pelo meio do caminho, em tom sereno, perguntou se eu estava melhor. Respondi com um soluço. Ele iniciou um diálogo com o meu corpo, mesmo porque a minha cabeça e a minha alma estavam juntas, de mãos dadas, se amparando.
O casamento de trinta e quatro anos chegou ao fim. Ele saiu de casa porque apanhou da mulher e a filha. Agressão física, moral, emocional. O problema dele era enorme, tão grande que o fato aconteceu há três anos e meio e ele ainda chora. Tirou o óculos para secar as lágrimas e eu gentilmente ofereci um lenço. Ele aceitou e seguimos o percurso. Quando chegamos aqui na frente da minha porta, as sábias palavras: calma, amanhã é outro dia. Desci com a minha mala e lembrei do meu pai. Ele, que sempre usou uma frase que gosto muito "não tem nada melhor que um dia depois do outro, com uma noite no meio". Meu pai falava isso para me acalmar, para que eu dominasse as minhas emoções e entendesse que tudo tem saída. Na hora eu não enxergava nada, no outro dia eu vislumbrava alguma luz. Sábio, sábio pai. Ele sempre foi assim, cheio das palavras intensas, aquelas que dão um golpe quase mortal lá dentro. A minha mãe é que nem o Cazuza, da tribo do abraço. Conforta com colo, com cafuné, dormindo junto comigo. Tenho sorte, muita sorte.
Doeu muito quando eu olhei para você e não me enxerguei ali. Pensei pra-onde-eu-fui. Eu sempre estive ali, sempre me via nos seus olhos, porque eles brilhavam. Ontem eles estavam tristes, sozinhos, abalados. Uma hora a gente fica cara a cara com o Pra Sempre. Ele abre a porta, coloca o pé lá fora, quer dar uma voltinha, curtir um som, ver o que tem do outro lado do mundo. Ei, Pra Sempre, volta. Volta, por favor. Volta, porque eu preciso. Volta, porque é o certo. Volta, porque eu te amo. Só por isso. Só porque eu amo e amar deveria bastar. Pelo menos, seu Pra Sempre, foi assim que aprendi. Quando foi mesmo? Ah, deve ter sido quando li o livro da Cinderela ou quando assisti aquele bando de filmes românticos em que os homens se ajoelhavam no meio da rua, os carros passando, chuva caindo do céu misturada com lágrimas de ainda-bem-que-você-veio. Eu sei que a vida não é filme. Hoje eu sei e vou ser bem honesta: descobri isso dentro do táxi. Lá dentro passaram flashes da minha vida, da nossa, daquela. Eu, que adoro uma novela, estava vivendo uma cena e tanto. Não, me escute, por favor, não, não quero. Quero a minha vida, a nossa, aquela. Não quero vida de novela. Quero a vida de verdade, com defeitos, com tudo que aparentemente não tem jeito.
De alguma maneira eu me perdi. E acho que precisei me perder para encontrar ou reencontrar algumas coisas que ficaram por aí, em cantos, túneis, papéis velhos. Talvez eu precisasse justamente encontrar umas partes soltas dentro de mim. Eu sei que não existe príncipe encantado. Durante algum tempo, eu procurei em vão príncipes e talvez de forma inconsciente tenha cobrado o seu bom desempenho no papel. Mas eu esqueci que também não sou uma princesinha encantadora. Tenho meu lado dark, das trevas, cruel. Tenho os meus raios, trovões e chuvas esparsas. Estamos trabalhando para melhor atendê-lo. Falei isso para o meu coração, se ele acreditou não sei não. Espero que sim, ele tá cansado e ontem quase parou de bater. Eu nunca tinha me sentido daquela forma. Tantos soluços vomitados, tantos esconderijos escancarados. Queria sair, correr, voltar para mim. Eu sei que tenho uma força violenta, que enfrento, aguento. Mas ontem eu precisei chorar. Chorei até ficar esgotada, cansada, até sentir sono. Hoje eu disfarcei. Passei o dia tentando distrair as lágrimas, tentei fazer as coitadas de bobas. E decidi que não posso mais. Não consigo mais chorar.
Pensei no meu sentimento. Ele é maior que tudo, tão bonito. Deve ser por isso que de vez em quando ele sente medo e fica aflito. A felicidade dá medo, principalmente para quem nunca a teve. E quando ela está aqui, na palma da mão, dá frio na barriga só de pensar que ela pode ir embora, então a gente abre a boca e tenta engolir. Mas não pode, tem que deixar ela solta. Pensei no meu sentimento. Quem ama não se perde, eu penso assim. O amor nada mais é do que a união de histórias. A gente une e vira uma espécie de pedreiro, pois o amor é construção. Você me ajudou a construir a minha e preciso dizer que não enxergo a minha vida mais para a frente sem você. Viver sem você eu posso, assim como você, eu sei, também pode. Mas eu não quero. Não quero porque você me faz acreditar. Não quero porque é bom construir a minha história ao seu lado. Não quero porque é bom ver as nossas escovas de dentes juntas. Não quero porque os nossos livros ficam bonitinhos lado a lado. Não quero porque a nossa história é tão linda e nós temos tantos planos! Não quero porque nós temos filhos de pelúcia. Não quero porque eu quero que você divida as suas angústias e alegrias comigo. As pessoas ficam juntas porque têm vontade, porque têm uma ligação maior que tudo. Eu quero que a gente não se perca. E que você entenda que eu estou aqui, até o último dia da minha vida.