A vida, apressada, vive correndo. Não para um segundo, nem para fofoquinha, café, trocar o esmalte das unhas. Mal consegue ler o jornal, coloca no automático o bom-dia-boa-tarde-com-licença-por-favor-obrigada. Segue firme, no foco, no tênis, no salto, na lida, na luta, sempre com o trio tô-salva-em-um-segundo. A vida sabe que o blush anima qualquer rosto, principalmente após noites mal dormidas. Blush, o mágico. Rímel ao lado da base, o básico. E assim ela segue.
De vez em quando, não se sabe o motivo, a vida fica melancólica. Revê álbuns antigos, remexe em papéis do passado, remonta o calendário que virou demodê. Precisa de Kleenex ou Softy's, e se o choro for muito até um pacote com 4 rolos de Neve serve. A vida gosta de drama, romance, comédia e suspense. Em alguns dias, parece um filme B. Em outros, terror. Ela também assiste novelas, seriados, reality shows. A vida gosta de teatro, música e dança.
Ela é cheia de crises existenciais. Questiona, busca, revira, cata, investiga, fuça, mexe. Responde, encontra, acha, dá, aprende, se perde. Muda, é arisca, omissa, submissa. É puta, mentirosa, suja, descarada, vadia, invejosa, sem vergonha, cadela, desgraçada. É ingênua, recatada, santa, pura, meiga, suave, doce, terna, gentil. A vida encasqueta e tem sentimentos medíocres. Desanima, perde a linha, se entoca, foge. Aparece, junta, se ajeita, empina o nariz, anda.
Estranheza. Meus olhos ficam com a barriga doendo de tanto rir quando me deparo com cenas bobinhamente comuns. Alguém chama o elevador. O botão fica com a luz ligada, o elevador sabe que você o espera. A pressa cega e emburrece, você aperta novamente, como se o ato de re-chamar fosse fazer o elevador correr pra te pegar. A Coca Zero terminou, você serviu o que restava da lata no copo. Mas, ingenuamente, sacode a latinha dentro do dele, na tentativa de quem-sabe-o-seu-cocão-colocou-fabricou-mais-uma-coquinha-e-colocou-aqui-dentro. Hora da foto: sorriso e barriguinha pra dentro. O sorriso se transforma num anda-logo-não-tô-conseguindo-fazer-carinha-happy-e-segurar-a-pançola. Patéticos, somos patéticos.
Doçura. É doce e isso me lembra a Xuxa. Doce, doce, doce. A vida é um doce, vida é mel. Doçura, pra mim, lembra infância. As crianças têm uma doçura sinceramente ácida que me encanta. Alá, conserve meu lado adocica-meu-amor-adocica-adocica-meu-amor-a-minha-vida-oi. A vida dos outros sempre parece melhor que a nossa. Mais agitada, cheia de planos, feliz e serelepe. Tem coisa mais safada que pensar isso?
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Ela cansa. Ofereço uma cadeira e um leque. Um sofá e um ar condicionado. Ela recusa e me diz que o cansaço não é físico, e sim mental. Pergunto se ela precisa parar, ela responde que não e vai embora. Percebo o quanto vale a pena continuar - apesar de tudo - quando olho pela janela e, através da vidraça, vejo ela ali me esperando. E sorrindo um sorriso vivo que foi feito só pra mim.