Lembrei de uma blusa preta que eu tinha, manguinha longa, borboleta bordada, paetês rosa pink. Uma das minhas preferidas. Tenho esse lance com roupa, algumas dão sorte, outras servem pra ir ao médico, entrevistas de emprego, funerais (sempre achei muito chique dizer "funeral", como os americanos), tal e coisa. Quem já não teve a Calça Da Sedução? Aquela que você veste e pensa hoje-vou-me-dar-bem. E o Sutiã Up Da Sorte?A gente veste e sente o poder subir pelo dedão direito do pé. Chame do que quiser, mas pense um pouco sobre isso: todo mundo tem qualquer tipo de amuleto, patuá, reza, três pulinhos ou algo parecido com bobagem meramente esquizofrênica que garante qualquer tipo de autoestima momentânea. O momento crucial do agora-eu-tenho-o-mundo-colado-no-meu-salto-10cm. Ou um mantra que faz os neurônios cantarolarem qualquer tipo de bobagem que faça a autoestima subir em um trio elétrico e pular feito doida que tomou energético com uísque.
Não tem nada mais cretino do que ignorar o que um dia fez parte da gente. E naquele dia que era especial e tenso eu usava a blusa preta de manguinha longa com borboleta bordada, cheinha de paetês rosa pink. Me sentia feliz, meu coração parecia que estava em uma calça 34, apertado, sem ar, justinho, esmagado. Falta de ar e um frio que passava pelo estômago, intestino, pulmão e vizinhança. Foi quando ele apareceu e o mundo parou de rodar por alguns momentos, para depois girar feito ventilador na velocidade máxima. Não sei explicar, mas abri um sorriso sorrido e pensei tudo-se-modificou.
Na segunda vez, a Calça Da Sedução e uma blusinha preta, com uma águia bordada. Então, eu o vi. Ele lá, cantando com a cabeça para o lado, aqueles olhos que contavam histórias e prometiam rumos diferentes. Eu, propostas escondidas em acordes, a águia bordada e os olhos. Aqueles olhos. Entre um gole e outro de água com gás, gelo e limão, descubro que a vida pode ser o paraíso quando se tem palavras certas e gestos calculados. Não dormi, tantas eram as promessas rondando minha cabeça que retrocedia e tinha trejeitos cada vez mais infantis.
Na terceira vez, um beijo. Esperado, sonhado, dormido, acordado. Calmaria e tempestade, juntas, melhores amigas, tão confidentes que trocavam segredos e abraços. A partir daí, um turbilhão, reviravolta, tumulto, virada. Eu lembro de ter achado que tudo era mentira. E lembro de que tantos questionamentos me sacudiram mostrando a verdade. Não queria ver, queria viver. De vez em quando a gente fecha os olhos, se fixa na emoção, procura deixar a razão de lado. Coloquei a verdade em um canto da estante. Até que um livro derrubou ela no chão. E eu tive que me abaixar pra juntar a bagunça.
Eu já disse que não tem nada mais cretino do que ignorar o que um dia fez parte da gente? Meu Deus, como eu adorava aquela blusa! Um dia, joguei fora. Ela, meus cacos e os retalhos de uma história que começou meio torta. Não sobrou nada, nem saudade.