Para mim, duas coisas são fundamentais: olhares e voz. Tem coisa mais linda que um olhar? Sinceros, tímidos, reveladores, provocantes, que suplicam, agradecem, sorriem. E voz? Ela acalma e diz quem a pessoa é. Pela voz, a gente descobre muita coisa.
Quando eu era pequena, meu pai cantava uma música que era assim "tá na hora de dormir, não espere o papai mandar, um bom sono pra você e um alegre despertar". Eu geralmente chorava, pois não queria dormir, gostava de ficar acordada brincando ou incomodando o meu irmão. Mas a musiquinha era uma sentença, a ordem final, era ir pro berço e fim de papo. Às vezes, eu dizia paizinho-só-mais-um-pouco. Quando a coisa apertava, era paizinho pra cá e pra lá. Era engraçado, a música só não me causava pânico por causa da voz do meu pai. Ele tem voz grossa, quando perguntava se eu tinha feito o tema de matemática dava até medo. Mas a voz dele, se eu prestasse atenção, tinha doçura escondidinha.
Meu pai me ensinou muitas coisas, umas eu aprendi na hora e outras dei muitas cabeçadas até entender. Mas ele sempre esteve ali para o que eu precisasse. Me deu aulas de física, química e matemática, coisas complexas que nunca entraram direito nessa minha cabeça oca. Me ensinou a andar de bicicleta e a ser gente. Sempre disse para que eu tratasse bem desde o tio que limpa o chão até o presidente de uma empresa, afinal, a gente nunca sabe o dia de amanhã, o mundo dá voltas e a educação e gentileza são bem-vindas em qualquer idade e/ou circunstância.
A gente já brigou, é claro. Não foi uma nem duas nem três vezes. Foram muitas. E eu demorei para entender o motivo (ou os motivos). Até que descobri que cada ser humano, quando nasce, tem uma matriz. Aquela matriz é que define mais ou menos o que vem pela frente. A minha é totalmente sentimentalóide, a dele é completamente racional. Um é líquido e o outro é sólido.
Sei que é difícil entender isso: a gente tem a triste mania de pensar que todo mundo enxerga com os nossos olhos. Ilusão (de ótica?). A gente tem o vício de achar que precisa convencer o outro a pensar da nossa maneira, porque é a nossa que está certa. Existem diversas formas certas. Falando nisso, o que é certo afinal de contas? Acho que certo é a gente dizer o que sente, não importa a idade.
Hoje, pai, quero te desejar toda a saúde, felicidade e paz do planeta. E te dizer, da forma mais racional possível, que eu te amo muito. Porque o amor, apesar de ser um sentimento, abriga toda a razão do mundo. Feliz aniversário!