O nascimento e a morte das coisas

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“Andei pensando coisas. O que é raro, dirão os irônicos. Ou “o que foi?” – perguntariam os complacentes. Para estes últimos, quem sabe, escrevo. E repito: andei pensando coisas sobre amor, essa palavra sagrada. O que mais me deteve, do que pensei, era assim: a perda do amor é igual à perda da morte. Só que dói mais. Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro(a)- mas a morte é inevitável, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor – essa pessoa – continua vivo(a), há então uma morte anormal."

(Caio Fernando Abreu)




Você já deve ter entendido a razão do meu amor pelo Caio Fernando Abreu. Gosto dele desde muito antes dessa moda maluca. Sempre senti coisas caiofernandoabreusísticas. E essas coisas, bem, você precisa nascer com elas. Ou não. É mais ou menos que nem elegância: não adianta vestir uma mulher mulambenta (por dentro e por fora) com Jean Paul Gaultier, Christian Louboutin e, de quebra, uma Birkin Bag. Ela nunca vai entender o significado disso. Pode pensar apenas que é chique. Ou pode querer fazer a rica, a fina, a cheia-da-nota. Mas essa coisa de rica-fina-cheia-da-nota pra mim não quer dizer nada. O que vale é a alma rica. E entender – e sentir – o significado das coisas, sejam elas pequenas ou grandes.

Que tal falarmos sobre o amor? Coloquei o trecho do Caio aqui porque pensei muito sobre isso: o amor, o nascimento, a morte. Por que ele acaba? Ele morre de morte morrida ou matada? É esquartejado ou simplesmente um dia cai duro no chão? Sabe o que eu queria? Ai, eu juro pra você que queria muito isso, poxa, eu queria que os amores fossem eternos. Por que as pessoas precisam morrer? Acho que quem se ama devia morrer junto. Não, não falo de amores proibidos e difíceis e romeujulietanos. Falo de amor puro, amor cúmplice, amor construído e sólido.

Um casal se ama muito. Um deles morre. Acho, mesmo, que o outro devia morrer junto. Sem suicídio, não tenho vocação pra esse tipo de coisa. Falo de morte, de ser feliz em outra dimensão, de continuar junto em outro plano. Um morreu? O outro, ao invés de chorar pela vida toda e sentir falta da pessoa e ficar triste e sentir solidão, podia simplesmente deitar na cama pra dormir e ploft, morrer. Sem dor nem nada. Morrer de amor mesmo. Isso me lembra o filme "Amor além da vida", um dos mais lindos e românticos que já vi. E falo aqui do amor real, de carne e osso, não do amor idealizado. Os amores reais nunca deviam acabar. Eles tinham é que continuar. No céu, no inferno, no lugar em que se ajustar cada crença, mesmo porque tem gente que acredita em céu e inferno, outros em vida após a morte. E outros não acreditam em nada. Seja lá onde for – até mesmo no nada, na cinza espalhada no meio do mar – quem se ama devia ficar juntinho, lado a lado. Esse seria o grande presente pra quem, apesar de tudo, se deu, se entregou – sem medo da vida e do próprio amor.

E quando um dos dois para de amar? A morte, pelo menos, é uma explicação (ou não?). A pessoa morreu, fim. E quando ela simplesmente acorda sentindo que não te ama mais? Tchau, valeu, foi bom, vamos separar as roupas, os livros, os móveis, as contas (isso quando é civilizado, pois volta e meia dá barraco e o povo atira roupas no meio da rua e da cara). Então é assim? Um dia você foi tudo e eu queria ter uma vida junto e uma casa bonita e uma cama grande e fofa e colocar o seu sobrenome e encher o vasinho das plantas de água e ter um filho com o seu nariz e hoje eu não sinto absolutamente nada vezes nada por você? Ai, para tudo, espera, toma uma água, pensa direito, para, me explica o que é isso, por favor?!? Como pode o amor morrer? Como??

Amor não tem algemas, nem cadeira elétrica, nem injeção letal, muito menos sentança de morte – ou prisão perpétua. O amor mesmo é livre, traz uma mistura de gostos. Vez ou outra é salgado, volta e meia é doce, muitas vezes é ácido. Mas ele precisa ser saboreado, sentido com a boca cheia e viva. Sem floreios, enganações e rancores. O amor, pra ser amor, dói um pouco. Dói quando você pensa que a sua vida é muito boa com aquela pessoa e que, se por ventura, ela saísse, fosse embora ou morresse você ficaria perdido. Dói quando você olha pra quem ama e pensa como-eu-achava-que-era-feliz-antes? Não que você fosse infeliz, mas a felicidade ganha outro significado no dicionário. Ela fica completa, cheia de cores. Dói quando você se imagina sem o objeto do seu amor. A convivência, sejamos honestos, também dá uma dorzinha leve, afinal, você precisa lidar não só com seus humores, dores e pequenas tragédias diárias, mas tem que abraçar tudo que vem do outro – e às vezes vem muita coisa não gostosa. No fim das contas, não que o amor seja matemática pura, você sai ganhando. O amor vence, pois é mais forte que picuinhas, artrites e congestões nasais.

Mas e se um dia o amor acabar? Pensei nisso. E se um dia ele acabar? E se não for nada daquilo que estava escrito nos livros e que tanto vi nos filmes? E se? Ah, ele é. Ele é, sim. E eu tenho certeza disso a cada vez que acordo e penso é-exatamente-aqui-que-eu-queria-estar-agora. Defino: o amor só acaba quando um dos dois não tem mais força para pegar o coração do outro no colo. Com direito a musiquinha de ninar e tudo mais.





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