Final infeliz

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Fiquei chocada com as estatísticas. Segundo o IBGE, um em cada três casamentos é desfeito. Isso é muita coisa. Um em cada três não dá certo, um em cada três tem um final ou desfecho infeliz. Acho triste, gosto de finais felizes, melhor dizendo: se é final tem que ser feliz. O The End só aparece depois que o mocinho fica com a mocinha. A novela só termina com casamentos e nascimentos. O Fim só chega depois de tudo feito, da missão cumprida. Então, me pergunto: a vida é mesmo assim?

Nem sempre dá tempo da gente fazer tudo. Tem gente que se adia, deixa o presente para o futuro. Isso não é viver, isso é empurrar com a barriga. Então, penso nas surpresas que o mundo e o destino nos reservam: amanhã podemos não estar mais aqui. Amanhã podemos descobrir um câncer incurável. Tenho muito medo de não viver as coisas que sonhei pra mim. Medo que, de uma hora para a outra, algo me leve pra longe, pra um lugar onde eu não possa mais voltar. Não quero deixar meus sonhos num cabide, quero que eles voem, aconteçam, se reproduzam.

Minha avó e meu avô iam se mudar, estavam felizes. Moravam em uma casa de dois andares, estava difícil subir e descer escadas todo santo dia, por isso compraram um apartamento. Era um comecinho de noite, minha avó organizava as coisas e meu avô percebeu que algo estava errado assim que ela entrou no quarto. Ele perguntou "por que tá rindo estranha assim?". Ela disse que não estava estranha e que não tava rindo. Na verdade, naquele momento ela estava tendo um AVC. E este AVC trouxe sequelas graves, pois aconteceu em fevereiro e até hoje ela não mexe o lado direito do corpo. Faz fono, fisioterapia, já teve alguns progressos, mas usa fraldas, tem dificuldade de comunicação, não caminha e, vezenquando, chora de saudade dele. É que ele morreu. Quando viu que ela estava tendo um AVC, ficou nervoso, infartou. Foi para o hospital, fez exames, marcou cirurgia. Fez a cirurgia, ficou nove dias no hospital, mas a coisa toda complicou, ele não resistiu e morreu. Minha avó só soube mais de um mês depois. Apesar de tudo, dos anos, das decepções que a vida traz, o amor deles era bonito e único. E eles estavam felizes em começar uma nova vida naquele apartamento que hoje a minha avó mora com duas tias e as ajudantes. Sim, ela precisa de auxílio para comer, trocar fralda, tomar banho. Mesmo com tudo, minha avó tem uma vontade gigante de viver, eu sei. E isso é bonito. Tem amores que a morte leva. Essa saudade é cortante, doída. Mas e os amores que a vida leva?

O que a gente faz quando é a vida que resolve separar? A morte, a gente sabe, é invevitável e necessária. Sim, ela é necessária, imagina se ninguém no mundo morresse? Pra onde iria tanta gente? Imagina as pessoas tendo filhos a todo instante e ninguém morrendo? Acho que a vida é uma reciclagem, uns vão, outros vem e assim o mundo se renova. É claro que encarar e aceitar a morte não é tarefa fácil. É difícil a gente se desligar de quem ama. O amor vence tudo, menos a morte. Mas e a vida? E quando não dá mais? Quando é uma decisão dos dois é muito mais simples. As pessoas sentam, conversam, mantém um carinho em respeito ao amor que um dia tiveram e decidem civilizadamente, adultamente, amigavelmente se separar. Mas quando um quer separar e o outro não quer de jeito nenhum a coisa dificilmente é simples de ser resolvida. Se um dos dois ainda ama sempre dá briga, rolo, confusão. Tem choro, tem mágoa, tem tristeza.

Eu me pergunto: por que os casamentos estão durando tão pouco? Infelizmente, chego a duas conclusões tristes: fogo de palha ou falta de vontade de enfrentar problemas. Hoje em dia é muito fácil dizer que você ama alguém. As pessoas, cada vez mais carentes, querem alguém para amar. O vizinho tem um amor, a melhor amiga casou, a professora de inglês ficou noiva. E eu? Como assim? Também quero! Então, desesperadas, se atiram na primeira relação razoavelmente saudável. Te amo, te adoro, te quero, te tudo. Casa comigo? Caso. Então as pessoas casam achando que aquilo é a salvação e que, sim, serão felizes. O tempo passa, o furor passa, a paixonite vai embora e o que fica é um vazio que precisa ser preenchido. Ei, cadê o amor? Olha, o amor não está ali, na verdade ele nunca esteve. O que existia era uma ilusão, um desejo de pertencer a alguém, a alguma coisa. Existe, também, a falta de vontade. Atualmente, tudo é descartável. O carro está velho, a gente troca. O celular tá fora de moda, a gente troca. O amigo não podia te atender naquele dia em que você precisava, deixou de ser amigo. Ninguém tem paciência, todo mundo quer felicidade a jato, prazer instantâneo. O cabelo tá ruim, escova progressiva. Não tem tempo para o cachorro, contrata um passeador de cães. Tudo é simplificado, ninguém quer fazer sacrifício. Suar a camiseta, pra quê? Quem quer emagrecer vive atrás de pílulas milagrosas, remédios infalíveis, dietas toscas de revistas que prometem e ficam só na promessa. Na verdade, todo mundo sabe do velho esquema: tem que gastar mais do que ingere. A regra é simples e clara, mas todo mundo quer um meio mais fácil de chegar no tão sonhado peso. A realidade é que as pessoas não querem perder tempo com bobagens. Querem ser bonitas, bem sucedidas, curtir a vida e ter prazer. Prazer, prazer, prazer. Hedonistas, morrem de medo que algo saia do controle.

Tenho uma má notícia para você: relacionamento não é só prazer. Não é só festa, viagem, risada, diversão, brinde, sexo, beijo, cumplicidade. Relacionamento tem fase chata, de vez em quando é uma merda, tem briga, discussão, chatices, rotina, implicâncias, ciúme, bate boca. A gente tem que lidar, conviver e amar uma pessoa que veio de outra família, outro mundo, tem outra criação, outros costumes, outro pensamento, outro jeito de viver, é outro. Você tem que aceitar aquele outro como ele é e isso dá muito trabalho. O amor é lindo, sim, mas ele é a maior recompensa para quem não tem medo de enfrentar os próprios medos (e os medos do outro). Para amar você não pode ter preguiça senão o final nunca vai ser feliz.

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