"Acho espantoso viver, acumular memórias, afetos."
(Caio Fernando Abreu)
Não posso deixar o dia de hoje passar em branco. Caio Fernando Abreu nasceu no dia 12 de setembro de 1948, lá em Santiago, pequena cidade do Rio Grande do Sul. Era do signo de virgem, sensível, especial. Hoje, se estivesse vivo, ele faria 62 anos. Comecei a ler a obra do Caio meio por acaso e não pude negar o espanto e o encantamento. Definitivamente, é um escritor que me toca. É claro que gosto de muitos escritores, tem muita gente boa por aí. Mas o Caio é diferente. Chego a sentir cada palavra dele. É uma sensação absurda, impressionante. Quando preciso pensar leio alguma coisa do Caio. Pode ser um texto, um trecho, uma frase, um conto. Tudo fica mais claro, mais humano. Acho que é isso: ele é gente, ele sente, não tem medo da vida. Em contrapartida, tem medo do que de vez em quando a vida faz com a gente. Ouço muitos falarem que ele é depressivo. Discordo: ele fala de sentimentos, coisa rara hoje em dia - poucos escrevem sobre o assunto com tamanha maestria e muitos não sabem o que a palavra significa.
Caio carregava nas costas o excesso, deve ser por isso que me identifico tanto. Tenho um excesso de sentimentos que qualquer coisa que me importa me importa de uma forma gigantesca. O mesmo acontece com a frustração, por isso volta e meia dou com a cara na porta de vidro fosco. Mas eu queria te contar que tenho visto o mundo um pouco diferente. A gente precisa se incomodar menos. Tem tanta coisa bonita pra gente viver, aprender. Me choco com as coisas que ainda não sei. Queria ter lido mais livros, escutado mais músicas, assistido mais filmes. Queria ter tido menos preguiça, ter sentado mais no chão, ter corrido mais pelo parque. Sabe, essas coisas fazem com que eu me sinta livre. Acho ruim a gente ter que se aprisionar em grades, alarmes, portões eletrônicos. Queria poder sair de noite, caminhar sem rumo, ficar olhando para o céu. Pode soar bobo, mas isso pra mim é tão importante. Me sinto presa por não poder fazer coisas assim.
No mês que vem faço trinta anos e isso pra mim tem um peso. Me pergunto quantas coisas desnecessárias a gente carrega, quantas mágoas a gente não consegue deixar pra trás, quantos traumas a gente finge que esqueceu, que superou, que engoliu, que passou. Não quero isso, não quero uma vida fake. Quero verdade. Por isso, com toda a franqueza eu digo que me perdoo. De verdade, me perdoo por todas as cagadas que já fiz na vida, por tantas aulas de matemática que eu matei, pois por causa delas hoje eu uso calculadora, conto nos dedos e ainda erro. Me perdoo pelas vezes que falei o que não devia, assim, sem pensar. Hoje eu entendo que a gente deve pensar antes de dizer as coisas, nem sempre consigo, mas me esforço. Me perdoo por ter magoado as pessoas que amo algumas vezes - e não foram poucas. Me perdoo por ter descoberto tarde o que eu realmente queria da vida. Me perdoo por ter tido tantos medos tantas vezes. Me perdoo por ter mentido. Por ter aprendido muito tarde a dizer "não". Por ter sido egoísta, estúpida, fútil e covarde. Me perdoo por não ter renovado a carteira de motorista. Por ter matado a academia. Por matar formigas. Por de vez em quando esquecer de colocar a embalagem do sabonete no lixo certo. Me perdoo por já ter brigado com meu pai, minha mãe, meu irmão, meu namorado, meus amigos (e espero que eles me perdoem também). Me perdoo por não ter dado tanta atenção para quem era importante pra mim. Me perdoo por simplesmente não ir com a cara de certas pessoas. Me perdoo por ter sido reprovada na escola. Me perdoo por ter esquecido algumas vezes de tomar as rédeas da minha vida.
As coisas só começam a acontecer quando a gente resolve seguir em frente de algum jeito, por algum meio. Muitas vezes a gente percebe que tá no caminho certo, mas sente um vazio que nunca se preenche. Isso quer dizer que o caminho não é bem aquele, porque a verdadeira paz só chega quando a gente não sente mais o vazio e percebe que, sim, tá indo no rumo certo. Não dá pra jogar no colo do outro as nossas pequenas infelicidades. Parei de reclamar tanto, meus dias têm sido bonitos por dentro e por fora. Percebi que errei demais, mas acertei muito. Tem que ter muita coragem pra abraçar um sonho. E eu tive. Hoje posso dizer que estou no lugar em que eu queria, fazendo o que amo. Não foi muito fácil, tive que enfrentar muita coisa e, principalmente, tive que enfrentar meus eu's.
Muita gente se queixa da vida e fica de braços cruzados. A gente tem que se livrar do excesso de bagagem, de emoções ruins, coisas que não prestam. Uma hora a gente percebe que a vida é grande demais para tanto humor azedo, raiva, brabeza e falta de disposição. Por isso, hoje, quem dá as cartas sou eu. Sei dizer não, sei o que quero pra minha vida, sei os meus limites, sei que preciso trabalhar duro (nada vem de graça), aprender muito (nada cai do céu). Também sei que sou uma alma livre. Não gosto de gente que se mete na minha vida e tenta me dizer o que devo fazer. Se eu quiser, pergunto. Se não quiser, por favor, não abra a boca. Não preciso de opiniões furadas sobre a minha vida, meu trabalho, meus amores, minha forma de conduzir as coisas. Eu tenho o meu jeito que, errado ou certo, é muito meu. Mas me perdoo por isso também.