Todo mundo tem um desafeto. Por melhor que você seja, por mais puro que seja o seu coração, por favor, não me engane e conte logo o nome dele. Ou dela. Não importa o sexo, o que importa é o que ele faz com você.
Não me considero uma pessoa ruim. Nunca matei, roubei ou enganei. Procuro ser honesta comigo, com os outros e com meus sentimentos. Tudo bem, às vezes eu me passo a perna. E nem sempre ajudo tanto quanto gostaria. É que não basta apenas não fazer o mal: você precisa procurar o bem. E fazer o máximo possível. Eu queria poder recolher todos os cachorros da rua. Também queria poder ajudar todas as crianças que não têm casa. E também queria visitar todos os idosos que são jogados nos asilos e esquecidos pelas famílias. Mas não posso carregar o mundo nas costas. Se eu posso, eu ajudo. Se eu não posso, eu tento. É assim que funciono. Se gosto de você de graça vou ter o maior prazer em te ajudar. Mas se não vou com a sua cara jamais me aproximarei de você por interesse.
Quando alguma zebra acontece, não fico me lamuriando e perguntando será-que-joguei-pedra-na-cruz. Não procuro um culpado, alguém para pagar a conta. Neste caso, a gente tem que olhar primeiro para o umbigo, pra depois olhar para o lado. Mas não pense que sou passiva, que aceito tudo numa boa sem bater o pé, que sou conformada e dou de ombros. Me revolto, luto pelo que é meu, grito, xingo, choro pra colocar tudo pra fora. E depois tento ressurgir das cinzas ou seja lá da onde for.
Vou te contar um segredo: ela virou minha vida de cabeça pra baixo. Acho até que ela virou a minha cabeça pra baixo. Chegou de mansinho, em um ano cheio de perdas, ganhos e mudanças. Naquele ano, perdi meu avô, perdi parte da minha avó, ganhei meu primeiro livro, ganhei minha casa junto com o meu amor. Amadureci, deixei a casa dos meus pais, saí do campo de proteção dos meus pais. Virei, enfim, adulta. Tive que aprender a me virar, a ligar a máquina de lavar roupa, a fazer lentilha, a entender que as roupas não são automaticamente dobradas. Tive que assumir um novo cargo, a adotar uma nova postura, a ser nova. E isso não é tarefa fácil pra quem sempre teve tudo na mão. Tive que aprender que se eu não fizer ninguém vai fazer por mim. E, principalmente, vi que pessoas são levadas da nossa vida sem a menor cerimônia. E que realizar um sonho é muito bom, mas dá um medo danado.
Ela me pegou em um momento de mudança. Eu estava trocando de emprego, programando uma nova vida. Tudo ia bem até ela aparecer. Só que de uma hora pra outra tudo muda. Ela mudou minha rotina, minha forma de encarar as coisas. Ela me deixou com medo de sufocar, de perder o controle, de não conseguir me controlar, de morrer. Ela me trouxe tontura, mal estar, palpitação, aperto no peito, dormência, tremores, formigamento. Ela me fez tomar remédio. Ela fez com que eu me sentisse louca. Com que eu não me sentisse mais dona de mim. Estou falando da Síndrome do Pânico.
No meu segundo ano de Psicologia, escutei o relato de uma colega que tinha a síndrome. Fiquei espantada e ao mesmo tempo, confesso, achando aquilo meio exagerado. Como pode uma pessoa não conseguir tomar banho sozinha? Como pode alguém sentir um medo excessivo de morrer a ponto de chorar feito um recém-nascido? Como pode a pressão de alguém disparar desse jeito? Como pode a pessoa sentir que não se pertence mais? Pode. Pode tudo isso e mais um pouco. A Síndrome do Pânico te deixa sem chão, sem rumo e com uma sensação de que aquilo nunca vai passar.
Nunca me perguntei por qual motivo eu tenho que passar por isso. Nunca questionei, nem perdi a fé. Acho que tudo nos faz crescer. Minha única dúvida sempre foi: será que tudo vai voltar a ser como antes? Será que eu vou conseguir vencer tudo isso? Será? Ainda não tenho essa resposta, pois é uma luta diária. Em alguns momentos, você está bem. De uma hora pra outra tudo muda rápido. Você passa muitos dias e semanas sem ter uma crise, daqui a pouco ela vem com tudo sem pedir licença.
Não adianta você dizer que sou mais forte que isso. Não adianta você erguer a sobrancelha e pensar nossa-que-mulher-maluca. Não adianta você achar frescurinha. Não adianta você fingir que ela não existe. Ela existe, sim. É real. O medo é real. A agonia é real. A sensação de morte é real. A ansiedade absurda é real. Mas a vontade de viver também é. E é justamente isso que conforta e traz a certeza de que é preciso encarar tudo de frente sem buscar esconderijos.