Lembro de ouvir meu pai cantar
“tá na hora de dormir, não espere o papai mandar, um bom sono pra você e um
alegre despertar”. Essa era a senha para escovar os dentes e deitar. Bem que eu
e o meu irmão tentávamos negociar, esticar um pouco. Às vezes dava certo. E
quando não dava eu chorava “não, pai, não quero dormir”, mas a regra era bem
clara. Na maior parte das vezes eu me dava por vencida e depois de beijar a
bochecha do meu pai e da minha mãe, dizia “boa noite, dorme bem, com os
anjinhos”. Era sempre assim.
É engraçado como algumas coisas
marcam a nossa infância. Minha mãe me ensinou desde muito cedo a cumprimentar
as pessoas, dar beijo, bom dia, boa tarde, boa noite. É por isso que acho que
certas coisas são de berço. Educação não vende em prateleira do supermercado.
Espero poder ter a clareza, a firmeza, a sanidade e a serenidade para transmitir
para os meus filhos a infinidade de coisas boas que recebi. Estudei em uma
ótima escola, em uma boa universidade, pude fazer aulas de inglês, tênis,
natação, ballet, pintura. Tive tudo que eu quis, aprendi o valor do certo e do
errado e descobri que quando a gente quer uma coisa precisa ir atrás: nada cai
no colo sem esforço. Fiquei algumas vezes de castigo e apanhei duas ou três
vezes. Nada disso me traumatizou e minha infância foi bonita. Tenho boas
recordações e um pouco de saudade de como as coisas eram simples e puras. Ser criança é tão mais fácil, né? Vida de adulto às vezes causa azia e má digestão.
Meus pais (assim como eu) estão
longe da perfeição, afinal, são humanos, mas me deram tudo que conseguiram. Não
falo de coisas materiais, falo de amor, carinho, atenção. Minha mãe não teve
uma infância muito fácil. É a mais velha de oito filhos e ajudava a cuidar dos
irmãos, já que minha avó tinha um filho atrás do outro. Minha avó vivia para o
meu avô, os filhos não eram prioridade. Por isso, minha mãe nos protegeu
bastante, nos fez prioridade. Dizem que a gente dá tudo que não teve. E ela nos
deu tudo aquilo que não recebeu. Ou que quis receber e não conseguiu. Ela tem
personalidade forte, é mandona, gosta de dar a última palavra sempre, às vezes
tem um humor do cão, mas tem um coração bonito e ajuda quem precisa. Me acalma,
faz o melhor creme de abóbora com gorgonzola do mundo, me ouve e me aconselha.
Quando estou braba faço bico que nem a minha mãe. E tenho várias manias que ela
tem. Acho graça, pois antes eu recriminava e hoje faço igual. Minha mãe é
péssima em matemática e quando eu tinha alguma dúvida ela dizia “pergunta para
teu pai”. Quando eu e meu irmão fazíamos bagunça ela falava “são dois, mas
parece uma manada”. Nunca esqueço uma vez em que ela, braba, saiu correndo atrás
de nós dois em volta da mesa de jantar com um chinelo na mão. Detalhe: o tal
chinelo era de palha. Ela já me bateu uma vez, eu tinha dez anos. Me deu um
tapa no corredor de casa. Estava braba com outras coisas e descontou em mim.
Minha mãe é assim: fica braba com um e desconta em outro. Sou igual. Meu pai
teve uma infância complicada. É o mais velho de três filhos e meu avô tinha
problemas com bebida. Acho que ele não recebeu muito carinho, atenção e amor do
meu avô. Pelo contrário, acho que a vida dele deve ter sido muito difícil. Não
que a gente converse abertamente sobre isso: tem coisa que é melhor ficar lá no
fundinho. Eu respeito. E procuro entender. Mas sei que ele não recebeu colo,
elogio, afeto. Começou a se virar cedo, estudou, trabalhou, se formou. É por
isso que sempre quis que a gente tivesse uma boa educação, boas oportunidades.
Ele sempre se preocupou em nos proporcionar as melhores coisas. E sempre achou
que a gente deve fazer por merecer. Nada vem de graça, tudo é batalhado. Acho
bonito isso no meu pai. Ele é um batalhador. Um cara culto, íntegro, é a pessoa
mais honesta que eu conheço. Um homem reservado, quietão, crítico, cético. É
incapaz de fazer mal pra alguém. Ele nem sempre sabe demonstrar o que sente.
Mas dá pra ver claramente certas coisas. Um bom exemplo é quando ele está com
os netos: os olhos dele brilham de felicidade e contentamento ao estar
pertinho das crianças. É bonito de ver. Ele parece meio frio, pois não
manifesta muita emoção e não é exatamente aquele tipo de pessoa que beija e
abraça o tempo todo. Mas ele tem muito amor pra dar. E é uma pessoa incrível.
Lembro que quando eu morava na
casa dos meus pais e dava algum arranca rabo o primeiro pensamento que me
ocorria era “tomara que eu saia logo daqui”. É interessante como a gente
amadurece e começa a ver as coisas de outra forma quando se afasta. Hoje, que
tenho a minha casa e eles moram em outro estado, penso que não trocaria meu
canto por nada, mas sinto falta de coisas bobas, como o meu pai me acordando ou
minha mãe me chamando para colocar a mesa. E olha que ela me chamava berrando.
E meu pai me acordava esfregando um cano na janela do quarto (sim, a janela do meu quarto dava para o pátio, então ele ficava no andar de baixo, na frente da lavanderia, com um cano enorme. Passava aquilo na minha janela infinitas vezes, até eu acordar indignada). São essas coisas
assim, muito peculiares, que formam uma família e boas histórias para contar.
(Feliz todo dia, mãe e pai. Acho
que não existe uma data especial pra dizer o quanto amo vocês. Pode soar meio
clichê, mas todo dia é dia da gente dizer o que sente. E eu tenho o maior
orgulho de ter vocês como pais. Obrigada por tudo.)