Eu queria ter covinhas, meu dedão
do pé é comprido, meu cabelo não é lisinho da Silva e eu tenho celulite. Além disso,
sou impaciente, cabeçuda, coloco pouco sal na comida e não gosto de pimentão. Quer
saber mais? Nunca aprendi a descascar laranjas, fico horrível de roupa marrom,
meu dente entortou depois que o siso nasceu, meu dedão da mão direita é diferente
do da esquerda, tenho quadril largo e sou péssima em matemática. Conto nos
dedos até hoje, detesto lavar panelas, não gosto de shopping, não consigo
curtir música sertaneja e me arrepio só de ver uma lagartixa ou sapo.
Meu guarda-roupa vive bagunçado,
não gosto de passar roupa, não sou lá muito chegada em tarefas domésticas e
nunca consegui plantar bananeira. Tenho alguns medos que não me deixam, um pensamento
acelerado e um humor terrível quando estou com sono ou fome. Não gosto quando
eu estou falando ultra sério e você ri. Sou irônica, debochada e maldosa quando
quero.
Já tive pensamentos ruins a seu
respeito. Mas não se preocupe: já pensei coisas ruins de mim também. E sobrevivi.
Tem dias que eu só sobrevivo. E tem outros que nem eu me aguento. De vez em
quando tenho vontade de colocar o pé no mundo, mas sinto falta do que ainda não
vivi aqui, com você. Então eu fico e deixo tudo pra lá.
Fico um pouco receosa em relação
ao futuro, sabe como são as dúvidas, elas vivem nos cercando. Me preocupo
demais com a minha vida, com a sua, com a de gente que mal conheço. Me importo
demais com coisas, pessoas e situações que não têm tanta importância assim,
não. Crio caso com pouca coisa, não sou tolerante, fico nervosa à toa e dou
corda para construções tortas de pensamentos toscos.
Deixei algumas oportunidades escaparem
pelos meus dedos. Já me arrependi de ter falado. E de não ter dito nada quando
devia dizer. Acabei me acostumando com o que não deveria. Me frustrei por não
receber o que esperava, depois me culpei por ter esperado algo: a gente nunca
deve esperar nada, nada, nada de alguém. Já me decepcionei com quem era
importante pra mim e descobri que é assim mesmo: a gente magoa e é magoado a
todo instante. E a vida é assim mesmo, muito obrigada.
Nunca acreditei em lobo mau,
bicho papão e mula sem cabeça, mas tenho lá meus fantasminhas e demônios que
insistem em me atormentar faça chuva ou faça sol. E eu procuro me esconder
embaixo da cama, entrar em labirintos, procurar esconderijos. Nem sempre
consigo. Às vezes, não acredito em mim e dou muita bola para o que dizem, Então,
respiro fundo, tento me achar no meio desse caos que eu sou e penso: mesmo
defeituosa, eu mereço alguma paz. E vou em busca do que eu acho certo. Custe o
que custar.