Fazia tempo que eu não assistia o “Fantástico”, porém uma
chamada do programa me chamou atenção. Gosto muito do Dr.Drauzio Varella, por isso
resolvi assistir a matéria sobre a “Síndrome do Pânico”. Para a minha decepção,
o assunto foi abordado de forma superficial. O foco foi basicamente a história
de um sujeito. Depois, a história de uma moça com um grau elevado de ansiedade.
Infelizmente, um programa que atinge milhares de brasileiros
perdeu a oportunidade de abordar um transtorno que incapacita, impossibilita e
priva algumas pessoas de terem uma vida completamente normal. Mas o que é ser
normal hoje em dia?
Ansiedade todo mundo tem. Emprego novo, casamento, namoro,
uma reunião importante. Tudo isso gera ansiedade, cócegas na garganta, frio na
barriga. Essa ansiedade não paralisa. Ela não afeta o comportamento de ninguém
a ponto de ser prejudicial. É uma ansiedade que surge frente ao novo, à
mudanças, ao desconhecido. É uma ansiedade até gostosa. Mas aquela ansiedade
agoniante não é nada boa. Aquela que te impede de fazer coisas simples, aquelas
coisinhas que todo mundo faz, como tomar banho, entrar em um elevador, ir ao
cinema, medir a pressão, ir a um show.
Era um fim de tarde, meu ginecologista estava de férias, fui
em outra. A tal outra foi a minha primeira gineco. No meio da consulta, ela
disse que minha pressão estava alta. Me examinou, mediu a pressão novamente. Continuava
alta. Ok, alta quanto? Dezoito por nove. Meu coração foi parar na boca, minhas
pernas congelaram, senti o mundo parar de girar lentamente. Saí meio atordoada,
fui até a farmácia, comprei um diurético por ordem da médica, tomei, entrei em
um táxi. A caminho da casa da minha mãe, taquicardia, sensação de sair do
corpo, medo de morrer, dor no peito, suor, tremor. O taxista me levou para a
emergência de um hospital. Minha mãe me encontrou lá, meu marido estava
trabalhando. Fui medicada, voltei pra casa. Lágrimas e mais lágrimas, não
conseguia ficar sozinha, tomar banho sozinha, fazer absolutamente nada. Um medo
paralisante. E se eu morrer lavando o cabelo? E se eu morrer e não conseguir
chamar ninguém? E se me der um AVC e eu ficar toda torta? E se eu morrer, meu
Deus, e se eu morrer? No outro dia pela manhã, eu e meu marido medimos minha
pressão. Dezessete por nove. Emergência, de novo. Medicamento, de novo. Então fui
ao cardiologista. Eletro. Mapa. Remédio para pressão. Psiquiatra. Relato dos
fatos.
Naquele ano, em fevereiro, minha avó teve um AVC e meu avô
teve um infarto. Ela foi para um hospital, ele para outro. Ela parecia que não
ia sobreviver, ele fez uma cirurgia. Ela foi para casa sem mexer um lado do
corpo, sem a capacidade cognitiva de antes, sem ser a mesma de sempre. Ele fez
a cirurgia e dias depois faleceu. Em maio, lancei meu primeiro livro. Em junho,
fui morar junto com meu marido. Em agosto, pedi demissão do pior emprego que já
tive em toda a vida. Foi um ano de mudanças, de reviravoltas emocionais, de
tensão, de tristeza, de repensar a vida. Foi um ano de diagnóstico: Síndrome do
Pânico. Foi um ano que me senti fraca, dependente, vazia, doente, maluca e
medrosa.
Desde criança tenho alguns medos. Do escuro, por exemplo. Não
gosto quando falta luz, não gosto de dormir na completa escuridão. Não tem uma
explicação lógica, simplesmente não gosto. Tenho lá meus pequenos traumas e
carências, mas nada que valha a pena ser relatado. Sempre recebi muito amor da
minha família, não cresci “largada na vida”. Recebi amor, cuidado, valores,
atenção, educação. Sempre fui muito apegada aos meus familiares, aquela
história de dar beijo de boa noite todas as noites, de conversar na hora do
almoço e do jantar, de estar perto, de oferecer carinho. Não me faltou nada. Mas
o ser humano sempre quer mais e mais. E algo sempre falta, não é mesmo? Então deve
ter faltado alguma coisa em alguma parte. Mas não acho que a “culpa” por isso
ou aquilo que acontece na vida da gente é dos pais. Isso é injusto. Terapeutas adoram
procurar respostas na infância. Mas a minha infância foi tranquila, saudável,
boa. Não teve nada de extraordinário, fui uma criança feliz e uma adolescente
meio rebelde sem causa.
Meu pânico vem de perder quem amo. Vem de ter que crescer da
noite para o dia. Vem de ver que é possível realizar um sonho. Não vem de
relação com mãe ou pai. Disso eu tenho certeza. Meu pânico vem de tentar
esconder minhas fragilidades e de tentar fingir que me basto. Não, ninguém se
basta. A gente precisa, sim, do outro. E não tem problema em assumir isso. Meu pânico
vem de ver uma pessoa que tanto amei se desfazer na minha frente. Assim, de
repente. Sem aviso prévio, sem hora marcada, sem uma despedida suave. Meu pânico
vem de ver que a vida é, sim, breve. Que a gente pode acabar de uma hora pra
outra, como um vento forte, como um sopro, como um susto violento. Meu pânico
vem de perceber que a vida, essa coisa tão bonita, curta e pequena.
Eu, que sempre gostei de sonho, tive que aprender a viver em
uma realidade por vezes doída e amarga. Contei com pessoas essenciais. Aprendi a
dizer que preciso. E aprendi que dizer que preciso não é feio. Aprendi a não me
sentir diminuída enfrentando o que parecia ser mais forte.
Depois de dois anos tomando remédio diariamente, lutando
contra crises, ataques e angústias que me invadiam sem pedir licença, estou
diminuindo a medicação. Hoje olhei para a última cartela: faltam dez. Quando
acabarem vou jogar a cartela no lixo e enfrentar uma nova etapa. Preciso crescer,
me desafiar mais um pouco. Sem muletas, sem apoio, sem abrigo: somente com a
força que existe aqui dentro. Só com aquela força absurda que existe dentro de
cada um de nós. Às vezes ela se esconde, em outras parece fugir. Mas é preciso
alcançá-la, nem que seja a passos lentos. Não sei se vou vencer, não sei como
serão os dias. Mas luto diariamente para ganhar de mim mesma. Espero que eu
continue firme.