Tem certas coisas que falamos que magoam as pessoas. Mas nem nos damos conta, afinal, "não foi por mal". Ou então foi, sim. É que nem sempre assumimos que somos terríveis, horríveis e desprezíveis. Eu assumo: de vez em quando sou péssima. Uma péssima consciente. Todo mundo tem um veneno guardado no canto da boca. É ou não é?
Quando você reencontra a colega de escola e vê que ela ganhou, além de pés de galinha, vinte quilos a mais, qual a sua reação? E quando você vê que a vizinha que ganhou bebê há quase um ano ainda não recuperou o corpinho de antes? E quando você briga com alguém, fala sobre a briga de que forma? Aquela vaca sem vergonha e gorda atravessou com a bicicleta na frente do meu carro. A atendente orelhuda disse que era pra eu voltar lá mais tarde. O gordinho avisou que hoje o seu Jorge não vem.
Por que damos adjetivos-não-bonitos para as pessoas? Somos melhores? Somos perfeitos? Somos incríveis? Não temos espelho em casa? Falamos como se a perfeição habitasse nosso corpo. Como se não existisse descompasso dentro de nós, como se não tivéssemos olheiras, marcas de expressão, nariz um pouco achatado, olhos pequenos demais, bunda mole, pés tortos, dentes amarelados. Julgamos como se falar do outro fosse mudar alguma bagunça dentro de nós. Damos palpite como se alguém tivesse nos convidado a dizer o que pensamos.
Acho feio se referir ao outro como o baixinho, o grandalhão, a gorda, a magricela, a orelhuda, o narigudo, a bunduda, o manco. As pessoas não são um nariz, uma altura, um corpo, um defeito. O que está por fora muda. Além do mais, a embalagem é vista de formas diferentes. Eu posso achar alguém muito feio e sua opinião pode ser justamente o oposto, você pode achar esse alguém lindo de morrer. Mas o ponto é: alguém quer mesmo saber o que você acha? Por que, ao invés de passar a vida falando do outro, você não cuida de você? Por que para o outro ter uma bunda em dia tem que ser tão importante? E quem disse que tem que ter bunda em dia? Quem disse que tem que ser bonito? Quem disse que você é bonito? Quem disse que você tem o direito de apontar para o outro e rir só porque ele tem as narinas abertas demais e os dentes da frente separados? Quem disse que você pode apelidá-lo de porco pelas características físicas?
Esses dias li um comentário de uma menina, que dizia que o texto de determinado autor era machista. Então, um sujeito falou que o tal autor era uma biba. Agora te pergunto: pra quê? Por que tem gente que insiste em, pra ofender alguém, dizer que "fulano é uma bicha, biba, viado" ou algo do gênero? Primeiro, acho ofensivo. Segundo, e daí? Cada um tem a sua opção. E daí, minha gente? Cada um cuida do seu próprio rabo.
As pessoas falam que fulano é "puto" e fulana é "sapatão" como se isso fosse um defeito. Defeito, pra mim, é gente que carrega ódio no peito. Que não sabe o valor de um gesto bonito. Que insiste em ajudar a deixar o mundo do jeito que está: podre e pobre.
As pessoas falam que fulano é "puto" e fulana é "sapatão" como se isso fosse um defeito. Defeito, pra mim, é gente que carrega ódio no peito. Que não sabe o valor de um gesto bonito. Que insiste em ajudar a deixar o mundo do jeito que está: podre e pobre.