Todo mundo tem um lado B

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Não sei direito como começar, já iniciei a frase e apaguei mais de quatro vezes. É difícil explicar para você uma coisa que nem eu sei direito o que é. Tudo bem, sei que estou confundindo ainda mais as coisas, me perdoe por isso. Você não tem a menor obrigação de me entender ou de fazer um esforço para perceber o que nem eu sei. O fato é que a gente vai crescendo e as coisas vão ficando cada vez mais difíceis. Antigamente, eu resolvia os impasses da vida chorando. Se a coleguinha tirasse o brinquedo da minha mão e não devolvesse mesmo após insistentes pedidos era só abrir o berreiro. Então, algum adulto aparecia e resolvia a encrenca na hora. Na adolescência, o negócio começou a ficar um pouco diferente. Vezenquando eu descontava a ira nas portas, batendo tudo com força. Em outras ocasiões, abraçava o travesseiro com ares de infelicidade, chorava, achava que o mundo era um lugar estranho, frio e ruim demais, além de dizer a frase clássica (ao ser contrariada): "um dia eu vou sair daqui!". Só que eu cresci, não posso mais chamar um adulto, nem bater portas e armários, tampouco sentir raiva do mundo, das coisas ou das pessoas. E, sim, eu saí "dali". Mas o "dali" não saiu de mim, se é que você me entende. Continuo com conflitos, incertezas, pequenas angústias que tomam Biotônico Fontoura e se reproduzem de uma forma assustadora aqui dentro.

Meu lado B é um monstro sujo e cruel. Me atormenta, me desestrutura, me desespera, me desgoverna, me desestimula, me enfraquece. Morro de medo dele, fujo e fujo e fujo e fujo. Corro até minhas pernas não mais aguentarem e meu coração pular pela boca. Meu lado B é uma menina indefesa, que grita silenciosamente por ajuda, que pede alucinadamente que a paz chegue, que se debate violentamente quando alguma coisa sai dos trilhos. Meu lado B é conviver com a Síndrome do Pânico. Desculpa falar disso de novo, sei que você já cansou desse tema. Mas, preciso confessar, eu também cansei. 

Alguém vai dizer para-de-encher-e-faz-terapia. Outros vão pensar cala-essa-boca-e-toma-um-remedinho. Se você não sabe dessa parte obscura da minha vida, por favor, se ajeite melhor na cadeira do trabalho, no sofá de casa, no conforto da cama ou na sala de espera do dentista. Vou te contar um pouco mais sobre isso. 

Situação 1 - Fevereiro de 2010. Minha avó, que era minha madrinha, uma pessoa iluminada, um ser humano incrivelmente doce e que todo mundo adorava, teve um AVC. Meu avô, ao ver o que estava acontecendo, teve um infarto. Vó em um hospital, vô no outro. Vó perdeu movimentos, fala e tudo mais, vô fez cirurgia. Vó foi para casa, usando fraldas, cadeira de rodas, fazendo fisio e fono e necessitando de cuidados extremamente especiais, vô faleceu. Vó nunca mais foi a mesma e acabou falecendo em dezembro de 2012.

Situação 2- Junho de 2010. Mudança de casa. Saída da casa dos pais para viver a "vida de casada". Toda mulher quer um amor, mas eu sempre tive medo de conseguir o que queria, como se ser feliz fosse uma cruz enorme, pesada e dolorosa.

Situação 3 - Maio de 2010. Lançamento do meu primeiro livro. A realização de um sonho assusta. Você para e pensa: e agora, o que eu faço? E agora, sim, e agora? E agora que eu consegui o que tanto queria? O que vem depois?

Situação 4 - Agosto de 2010. Já tive chefes e chefes, porém em 2010 eu trabalhava com uma pessoa horrível, com uma energia absurdamente pesada e ruim, com um coração escuro. Tive a coragem de dar um basta, de pedir demissão, de pegar mala e cuida e ir embora. 

Situação 5. - Agosto de 2010. Aumento de peso. Engorda, emagrece, engorda, emagrece. Essa gangorra é terrível, pois chega uma hora que você engorda tanto que perde o controle. Comecei o processo engordativo sem fim em 2010. Em uma consulta de rotina, a médica diz que meu peso está horrível para a minha idade e complementa: a pressão está alta. Pergunto quanto, ela não diz. Insisto, ela fala. Me assusto de tal forma que tenho minha primeira e inesquecível crise de pânico dentro de um táxi.

Situação 6 - Agosto de 2010. Emergência do hospital. Remédio. Consulta com cardiologista. Exames. Remédio para pressão. Consulta com psiquiatra. Remédio para o pânico e terapia. Vida virada do avesso. Marido no meio de um trabalho que consumia muito tempo, eu precisando de gente ao lado, meus pais mudando de estado, família inteira de ambos os lados morando em outra cidade. Mais pânico. Eu chorava com medo de morrer, meus braços formigavam, meu peito doía, sentia como se fosse infartar ou ter um AVC, não conseguia tomar banho em casa sozinha, pois pensava que podia ter um treco e cair dura no banheiro. Tinha medo de ficar torta, de morrer, de dar trabalho, de pedir ajuda, de respirar. O ar fugia, a boca ficava seca, a cabeça parecia estar vazia, tinha a sensação que estava enlouquecendo. Junto disso, a vergonha de dizer GENTE, EU TENHO SÍNDROME DO PÂNICO. A vergonha de me olharem como se fosse uma maluca. O desconforto extremo em lugares cheios, como shoppings, cinema, restaurantes lotados, lojas e etc. O medo de ter medo, o medo de ter de novo, o medo de da próxima vez não conseguir sair viva. 

Durante um ano tomei uma medicação que fazia com que eu tivesse crises espaçadas, porém nada tão forte, nada tão intenso, nada tão terrível. Ao entrar em um lugar muito cheio sentia minhas mãos geladas, meu corpo quente, suava frio. Na hora do aperto e da angústia, um Frontal resolvia. Depois daquele ano troquei a medicação e aí sim tudo ficou azul de novo. Não tive mais crises, nem lembrava de sair com o Frontal Salvador dentro da bolsa. Me sentia segura, inteira, completa. E torcia para chegar logo o dia da cura, o dia da libertação, pois sempre detestei ter que tomar qualquer tipo de remédio. Comecei a ler muito sobre o pânico, sobre sensações, sobre reações. Já tinha lido e ouvido muito na faculdade (fui até o penúltimo ano de Psicologia), mas a teoria é uma coisa. A prática, meu amigo, é outra completamente diferente. Neste período, o apoio do meu marido foi essencial. Ele segurava minhas mãos e dizia "respira, respira". E respirava junto comigo. Sem ele não sei se eu teria conseguido. O apoio dos meus pais também foi fundamental. Minha mãe durante muitos períodos ficou ao meu lado enquanto meu pai tomava todas as decisões da nova casa deles (como falei, eles estavam em processo de mudança). Nunca gostei de perturbar meus amigos, não me pergunte o motivo. O fato é que eu detesto depender das pessoas, gosto de ter o controle de tudo, não gosto de incomodar, de ser inconveniente ou de ser a COITADA QUE TEM PÂNICO. Só que o pânico é não ter controle de nada. É não conseguir controlar nem as próprias sensações. 

Junto com todo esse processo, engordei ainda mais e decidi emagrecer, já que tínhamos decidido aumentar a família. Em 2012, iniciei um processo de emagrecimento, além de retomar minhas atividades físicas. Por isso, conversei com meu médico e decidimos iniciar o processo de desmame da medicação. O remédio foi sendo retirado aos poucos, até parar completamente. Fiquei mais de 6 meses muito bem. O Frontal ainda habitava a minha casa, mas não morava mais na minha bolsa. A única coisa que me causava desconforto era fila e muito barulho. O resto eu tirava de letra. De herança, restou um medo imenso de aparelhos de pressão e médicos. Até que comecei a ter diarréia e desconfortos abdominais. O pânico me trouxe de presente a tendência a pensar sempre no pior. Não, não pode ser algo simples, tem que ser um AVC, um infarto ou um câncer. Fiquei quase um mês muito ruim da barriga, marquei consulta em um gastro. Vale lembrar que quando parei a medicação e fiquei bem abandonei minha terapia. Um dia antes do meu aniversário (adoro fazer aniversário), eu e meu marido estávamos em uma loja e meu lado B resolveu fazer uma visita inesperada. Chegou metendo o pé na porta: começou com aquela sensação de despersonalização, angústia extrema, dificuldade pra engolir, dor no peito, formigamento nos braços e pernas e a sensação de SIM, ESTÁ ME DANDO UM TRECO. Pedi para meu marido me levar ao hospital, mas ele já é macaco véio no assunto e viemos pra casa. Chegamos, ele ligou para o meu médico (me sinto muito louca falando "ligou para meu psiquiatra") e a indicação foi tomar Frontal. Tomei dois. Meu corpo começou a tremer, eu sentia muito frio, tremia tanto que parecia convulsão e eu dizia "pelo amor de Deus, eu tô morrendo". Foi a pior crise de pânico da minha vida. Chorei, chorei muito, chorei tanto que pensei que ia perder toda a água do corpo. No outro dia, às 9h, lá estava eu no consultório do psiquiatra. Clarissa, precisamos retomar a terapia. Sim, eu sei. hoje é meu aniversário e tô com um medo até de respirar. Ele me passou uma medicação, comecei a tomar e me fez muito mal. Fiquei toda mole, achei que fosse a pressão, minha mãe disse "compra um aparelho de pressão pra perder o medo", obedeci e comprei. Não era a pressão. Liguei pra minha mãe, aos prantos, e pedi pra ela vir. Ela veio. Minha mãe sempre veio. E eu só tenho a agradecer, porque ela salvou a minha vida naquele momento. Em outubro de 2013 estava tudo, tudo de cabeça pra baixo. Tive que trocar a medicação para o pânico. Fui na consulta com o gastro, foram momentos tensos, pois eu imaginava um câncer no intestino. Fiz diversos exames, inclusive os rastreadores de câncer, tudo deu negativo. Não consigo descrever o nervosismo, a tensão e a agonia que vivi tanto nas horas de fazer os exames quanto nos momentos de ler os resultados. Isso sem falar que meses antes o homeopata pediu uns exames e descobri que estava com gordura no fígado. Fiquei com um medo danado de fazer a ecografia abdominal e descobrir algo terrível. Voltando ao gastro, o diagnóstico foi: Síndrome do Intestino Irritável (SII). Ainda perguntei para o médico se ele tinha certeza absoluta que era aquilo. Sim, de vez em quando eu não tenho noção. O cara estudou sabe-se lá quantos anos, tem especialização sabe-se lá em que e eu tenho a petulância de perguntar se ele tem certeza. 

Tomei a medicação por apenas um mês e meio. Eu e meu psiquiatra combinamos de parar o remédio e continuar com a terapia. Junto com isso, comecei a tomar florais. Também comecei um tratamento com medicação para a SII. E fiz questão de, em outubro, voltar ao cardiologista. Fiz exames, diminuí pela metade o remédio da pressão e ele disse que emagrecendo o que ainda quero (5kg) ele vai tirar o remédio. Perguntei sobre minha dor no peito, formigamento, fiz todos os questionamentos possíveis e a resposta foi: esses sintomas não dizem nada. Sim, doutor, dizem. O fato é que as sensações físicas do pânico desconcertam qualquer um. Você realmente sente que está tendo uma coisa muito ruim, que vai morrer ou ter um negócio pavoroso. De vez em quando eu tinha apenas angústia, sentia o coração bater descompassado, daí pegava o aparelho de pressão, media, via que estava tudo bem, mas que aparecia o tal marcador de arritmia. E já ficava encucada. Há cerca de três semanas, passei por uns períodos estressantes e chatos e meus desconfortos abdominais voltaram. Comecei a ficar nervosa com isso, outras coisas foram juntando e na terça-feira o lado B veio de novo. A coisa toda começou pela manhã: tomei café e senti que estava meio enjoada. Fui para a academia e me senti meio tonta. Pensei que era do calor, afinal, as temperaturas andam altíssimas. Voltei pra casa e senti que estava ficando estranha. Saí, voltei de novo e nessa volta perdi o controle: todos os sintomas vieram com força, fiquei com medo de morrer no meio da sala. Liguei para uma amiga, para outra, todo mundo ocupado. Mas não liguei dizendo "preciso de ajuda". Liguei e falei "oi, o que tá fazendo? Ah, tá, depois falamos". Não sei ligar e dizer VEM ME ACUDIR. Meu marido estava no almoço, não ouviu o telefone. E nem pra ele peço ajuda. Não sou humilde, não consigo. Até que ficou insuportável e liguei chorando pra ele. O que ele fez? Pagou o almoço, foi até o trabalho, pegou as coisas, veio para a casa. Falando comigo pelo telefone o tempo inteiro. Tomei o Frontal, fui acalmando, ele chegou, trabalhou de casa do meu lado. E eu chorei. De susto, de medo, de tristeza por não ter me livrado ainda dessa porcaria, de agradecimento por ter uma pessoa tão especial do meu lado. No outro dia, fui na terapia. Conversando com o psiquiatra, ouvi dele "não posso te garantir que você não terá mais nenhuma crise, mas posso te dizer que isso vai diminuindo". Por favor, doutor, por favor. Quem nunca teve não sabe como é. E quem já teve entende bem do que falo: é aterrorizante. A gente sofre. Na hora em que a crise surge não parece que é do pânico, pois é tudo muito físico. Parece que, realmente, você está tendo um infarto ou AVC. Além disso, qualquer ida ao médico dá medo, qualquer exame que eles pedem causa angústia, qualquer coisa ligada à saúde gera tensão. Mas a grande questão é: todos morreremos um dia. Não é preciso temer a morte, pois a hora que ela tiver que chegar, chegou, e ninguém poderá fazer nada. Só que não consigo pensar racionalmente na hora.  Espero que as coisas se tornem mais fáceis. E que meu lado B dobre na próxima esquina e tome o seu rumo.


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